Relato da prisão durante a greve de guardas

Olá, X,

Escrevi esse relato pois não aguento mais, não estou bem, a revolta tomou conta de mim.

A situação aqui no E.P. está CAÓTICA.

Está acontecendo um abuso de poder por parte das guardas prisionais, devido à greve que se iniciou 17/10/2022. Segundo o artigo 57° da constituição da república portuguesa, a greve é um direito constitucionalmente consagrado, competindo aos trabalhadores a definição do âmbito da greve. Por outro lado, aquando do pré-aviso de greve são definidos os serviços mínimos que serão assegurados.

Aqui se iniciou uma greve parcial dia 17/10/2022 e que foi simultânea com a greve total dos E.P. de todo o país. Porém, a última greve total acabou em 22/12/2022, mas as guardas continuam com a greve, sem ter sido informado para nós previamente. Não há nada afixado. Soubemos da greve, que vai durar até dia 31/01/2022, pelo jornal da TV.

No fim de semana de 24 e 25/12, muitos visitantes foram impedidos de visitar seus familiares, pois a chefia das guardas na portaria do E.P. informou aos visitantes que a reclusa que teve visita durante a semana não poderia ter ao fim de semana, e as famílias e as reclusas choraram muito. Foi um natal horrível, pois nos sentimos sendo tratadas como lixo, pois até os gatos do E.P. são tratados melhor do que nós. Nós cometemos um crime, mas continuamos sendo pessoas, temos nossos direitos, sentimentos e emoções. O que está acontecendo aqui é desumano, inconstitucional e abuso de poder.

Além disso, as reclusas (principalmente estrangeiras) não estão fazendo a vídeo conferencia (Webex) por causa da suposta greve.

Hoje, fui a psicóloga, e ela se despediu de mim, pois não irá mais trabalhar aqui. Ela é a psiquiatra também. Ela me disse que não sabe quando vão substituir. Estamos sem ginecologista há meses, sem clínico geral, dentista, sem nada. As educadoras sumiram, não há resposta de pedidos, ninguém nos informa nada. Fomos “pegas de surpresa”.

Segundo o código de execução de penas e medidas privativas da liberdade, cap. II, artigo 7, temos os direitos previstos por lei, mas “supostamente”, pois na prática só temos deveres.

Hoje, uma reclusa tentou se matar se jogando do segundo piso, mas a seguraram, e porquê? Porque isso aqui é uma tortura psicológica, e as reclusas não aguentam mais. E falo também por mim, quantas vezes já me passou pela cabeça juntar várias medicações para morrer de overdose? É FUDIDO!

E as reclusas tem medo de falar, pois depois podemos ser prejudicadas nas precárias e condicionais. Ou seja, o sistema nos prende aqui.

Tem guardas que usam drogas, a ponto de já terem chegado com o nariz branco, as reclusas avisarem e a guarda limpar. Como assim? Elas não têm que fazer testes periodicamente?

É tanta coisa que eu já vi nesse E.P., que só de pensar dá vontade de gritar, berrar, etc…

Não aguentamos mais. Eu não aguento mais. Precisamos de ajuda! Precisamos de alguém que nos ouça e faça algo por nós.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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