Manifesto das Vozes de Dentro para o 8 de Março 2023

Sou mulher
Sou o começo
Sou a vida dentro da própria vida
E quero e prezo o respirar se não o tomo
arrancando as raízes profundas da marmeleira
Estou no início de toda a criação
Sou mãe, preta
Sou neta
Sou primeira e última
Sou mulher
ventos através dos mundos
escuto detrás das grades e muros
Sou mestiça, tenho brasão, moro na vila
Sou energia que passa entre as mãos
Sou a alegria de um continente e vale que obedece o sopro dos ventos
Sou o erro, o acerto inesperado
Sou a voz calada que fala as cordas do violino
Sou uma história contada em mil línguas distintas
Sou o dialeto que fala os anjos
Sou a tradução de um grito que vem do submundo
Sou a folha verde amadurecendo da fruta e a semente germinando
Sou toda a terra
o dia amanhecendo e morrendo no outro hemisfério
Sou dona do mundo, criado pelas minhas mãos e serei o próprio fim!

Texto escrito entregrades por mulheres sequestradas pelo estado português

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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