Carta sobre “um absurdo (um de vários)…na prisão”

Oi, me chamo …….., e vim contar um absurdo (um de vários) que aconteceram comigo aqui na prisão. Sou Brasileira, tenho 47 anos e estou presa há 2 anos, com uma pena de 4 anos e ___ meses. Não tenho ajuda, nem visitas. Minha mãe me ajuda como pode, pois, as coisas não estão fáceis no Brasil. Tenho uma filha de 7 anos, que me faz muita falta… Aqui no E.P., a troca de roupa é de 3 em 3 meses, e a última foi em fevereiro, porém não consegui dar baixa (sair) as minhas roupas, pois cada vez complicam mais, e não posso receber roupas de verão, estou usando roupas de inverno e passando calor. Já fiz várias tentativas:

1°- Pedi para jogarem fora e não autorizaram;

2°- Pedi para doar e não autorizaram;

3°- Pedi para sair pela visita da …. (pelo ….), e não autorizaram pois ele não está inserido no meu quadro de visitas;

4°- Pedi para inserir o… no meu quadro de visitas, mas não autorizaram pois já visita…

5° – Pedi para sair por uma reclusa, que era da minha cela e foi embora, e também não autorizaram.

6°- Pedi para ir a minha mala, que está na chefia, autorizaram, porém a guarda… não me leva até lá. Eu e várias reclusas pedimos há quase dois meses, e só enrolam a gente, e nunca nos deixam ir a mala…

Ou seja, não nos dão hipótese! O que faremos? Isto é um absurdo, pois é meu direito, mas ninguém resolve nada. Peço que me ajudem, por favor, obrigada!

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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