“Tu e eu fomos presas, nos separaram com uma lei que não existe. Não há uma lei que tira os filhos se tiverem mãe.”

 

 

 

Olá

Muito obrigada pelas fotos que me enviaste, chorei tanto e tanto. Mas as palavras que me escreveste me dão muito animo e apoio e tuas palavras são doces e meigas que entram de coração.

Uma vez mais obrigado.

Pois de estar fechada sem poder fazer nada pela minha princesa, ela vai ser adotada sem estar eu ou um familiar para travar essa adoção. Com raiva, com dor do meu coração, com impotência, sabendo que minha filha ia ser adotada eu dei em doida e cheguei a cortar-me a mim mesma, mas estou arrependida. Mas foi um desespero que tive,  mas já não voltará a suceder.

Cuesta muito que adotem a minha filha sem saber porquê, sem eu dar o consentimento. Me sequestraram a minha filha e a mim me puseram em uma jaula e sem saber da minha filha, me roubaram a minha filha, e com ela foi o meu coração.

Tu me dás muitas forças, ânimo e apoio, obrigada. Me fizeste feliz de eu ver as fotos da minha bebé. Ela é doce, mimosa, meiguinha, uma menina criada com amor, carinho, educação. Dá pra ver nas fotos. Eu quando sair vou a onde for para ver a minha menina, e vou falar com vizinhas, escolas onde a menina teve. Não vou atirar a toalha. Agora estou mal, caí e ainda não me levantei. Mas com o vosso apoio vou levantar-me e seguir pra frente.

Quando eu sair quero ver-te e tomamos um café, e dizer-te obrigada frente a ti amiga.

Eu quero que a menina venha novamente aos meus braços, é minha filha. Não tinham que fazer-me isso, não tem razão, ela não é maltratada nem pensar, mas com a minha verdade voltará a minha filha comigo. Tenho muita fé amiga. Não sabes a nódoa que tenho no meu coração. Estou muito magoada. Eu sou uma mãe sofrida e maltratada pelo meu ex companheiro. Eu vivia sozinha com a minha filha, eu trabalhava de ajudante de cozinha, minha filha ia a escolinha e eu ia trabalhar, eu e minha filha vivíamos como queríamos.

Um dia veio uma senhora com 3 filhos a minha casa, era minha família, eu lhes abri a porta e lhes dei tudo, cama, comer, amor, carinho. Ela tinha um irmão que me via pelo facebook, enfim ela veio a minha casa e trouxe o irmão, eu estava há 4 anos sozinha com minha filha. Ele veio e falámos e tudo bem uns meses. Ele tinha ciúmes doentios, [um dia] começou a dizer-me que [eu] tinha amantes debaixo do colchão. Apanhou a faca e começou a esfaquear o colchão, e [dizia] que [eu]  amantes nos armários começou por aí… se eu negava-lhe um beijo ele dizia que [eu] tinha amantes dentro da almofada. De isto começou a bater-me, eu tinha minha casa, meu trabalho, minha filha, estava bem.

Logo de uma chapada, começou a dar-me duas, etc. Partiu-me o lábio, um dedo, o nariz e assim começou a minha tortura, chegou a dar-me uma chapada na frente da minha filha, chamei a PSP.O levaram ao posto, o soltaram novamente, vinha a minha casa ameaçar-me que se não abria a porta que punha fogo a casa. Abri a porta,  nos apanhou minha filha e a mim, nos meteu no carro e nos levou. Logo os meus doutores ligaram, a perguntar donde estávamos minha filha e eu, e ele me dizia para eu dizer que estávamos na Madeira. Outra vez estávamos em Gouveia, íamos para  para Leiria e ele obrigou-me a dizer que estávamos em Chaves. No carro deu-me um murro que novamente me partiu o lábio. Ele só tinha na mente que eu o tinha de amar em todos os sítios. Logo nos levou minha filha e a mim para Espanha. Lá consegui fugir com minha filha e chamei a polícia espanhola porque estávamos sozinhas e precisávamos de ajuda. Eu não disse que estava a fugir dele. A polícia nos pagou uma pensão e nos pagou o bilhete para Portugal.

Fiquei novamente na minha casa, mas nunca pensei que ele vinha novamente a buscar-me. Eu fui para ao pé da minha mãe e deixei lá minha filha. Depois de tanta tortura e ameaças, não me deixava ter um telemóvel, se tivesse ele o partia. Uma vez que a menina estava na minha mãe ele disse-me: Vamos à praça de táxis, vamos à tua mãe e logo seguimos para Espanha a trabalhar. Alugámos o táxi e ele a meio do caminho roubou o táxi e deixou o taxista no meio da estrada. Viemos presos, eu por cúmplice e ele por roubar o carro e conduzir sem carta. FTotal, foi uma tortura que passei, tive medo e temi pela minha Vida. E por isso aqui estou presa.

Como a minha mãe é acamada não podia cuidar da minha princesa. E fui  buscar minha filha e ele me perseguiu, eu fugi chamei a polícia e me levaram ao hospital (pediatria) para nós dormir essa noite. Mas já tinha perdido tudo por causa do maltratador.

A assistente social me perguntou se eu e minha filha queríamos ir para uma instituição. Eu disse que sim. Mas para mim não havia vaga, só para a minha filha.Eu com dor dei minha própria filha para instituição, mas com dor de mãe. Era para que minha filha tivesse um teto, comida, escolinha. Total assinei para que a menina tivesse um ano na instituição, para eu procurar trabalho e uma casa.Perguntaram à minha bebé se a mamã era maltratada pelo companheiro e ela disse que sim, que ela via.

Vim presa, e tinha a minha filha na instituição. Tinha chamadas e videoconferência com minha bebé, ela tinha 4 aninhos. Teve na instituição dois anos, até que foi adoptada em 2022, sem o meu consentimento.Sem provas de nada, sem avisarem-me. Eu fiquei congelada, que minha filha foi adotada por ver que meu ex companheiro me tinha batido na frente da minha filha, por isto e por eu pedir duas moedas [na rua] uma vez que eu andava a fugir do meu agressor.

Tiraram-me minha filha sem motivo algum, sem me dizerem nada. Roubaram a minha filha, nos separaram da noite para a manhã, ela [presa] por um lado e eu por outro. Sabe deus o psicológico da minha filha sem ver a sua mamã e agora não sei onde está. Mas estou com advogado e amigas que me estão a ajudar.

Eu tenho o coração partido, estou de rastos sem saber com quem está minha rica filhinha, tenho o coração congelado, nunca pensei que me iam tirar a minha bebé, minha vida.

Minha amiga, tenho tantas saudades dela,  sempre tivemos uma relação muito próxima.Estava habituada todos os dias a estar com ela, almoçar juntas, íamos ao parque brincar e dar um passeio nos dias de sol. Já estou há um ano e meio sem os seus beijinhos, os seus abraços ou qualquer outro contacto físico.Vamos tentando atenuar as saudades de outra forma, com as fotos da minha pequena, mas não é a mesma coisa. Sinto falta da minha filha e sei que ela sofre também com a minha ausência.

Não deixa de ser difícil, quero muito abraçá-la mas não sei quando isso pode acontecer. Não está a ser fácil para mim. Só quero que isto acabe para poder aproveitar o máximo de tempo e recuperar a minha pequena bebé, minha vida. Quero que saibas minha querida filha que se pudesse estava a abraçar-te todos os dias e dar-te todos os beijinhos que mereces minha princesa. Mas tenho fé que pronto vamos a estar juntas meu amor.Sabes que a mamã ama-te com todo o seu coração, nunca te esqueças minha amiga, minha filha, sempre estarás no fundo do meu coração, mente e pensamento.

Tu e eu fomos presas, nos separaram com uma lei que não existe. Não há uma lei que tira os filhos se tiverem mãe. Esta justiça me tirou a minha filhinha, sem mais nem menos. Me tirou o direito de mãe, minha princesa, meu amor de mãe. Tenho tantas saudades tuas que me estão matando. Tenho o meu coração destruído. Mas tudo isto foi culpa de uma mala companhia. Meu ex companheiro que também está na cana. Maldito, destruíste minha vida e da minha filha.

 

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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