Além do Tempo – carta de companheira presa

Além do tempo

É preciso voar neste tempo, em esta cela vacia agora sozinha em estas quatro paredes cheia de tristeza, solidão, no meu velho relogio de pé anunciou a meia noite. Quando soou a última balada ouvi um estrondo, meu corpo estremeceu, aquel barulho, erão os ferrolhos de estas portas velhas das celas, ouvi um novo estrondo e um gemido agonizante como nunca antes ouvia, era uma colega que estava cheia de dores e tocavão nas portas pra que viessem a socorrer a nossa colega, ela deixou de andar e aqui ninguém lhe faz caso e está em uma cela vacia, sozinha com suas dores, mas aqui acontece a muitas pessoas, dão medicações trocadas, aqui já ouve casos que pessoas que tomão só medicação para o colesterol, tenções e nada mais. As enfermeiras enganam-se e dão medicação de psiquiatria muito forte que é de outra colega, ficão 3-4 dias a dormir e aqui não se passou nada. Fica tudo abafado, entre a equipa toda do EP. Aqui dentro ninguém sabe o que se passa, aguantamos muitas omilhassões de guardas, utilizão farda pra abusar do poder… É claro, si respondemos, somos prejudicadas, e já nos levão para o castigo, logo quando é a hora de por nossas precarias, já recuzão por que tivemos no castigo, não porque me portei mal. So defendi-me daquela omilhassão que muitas guardas nos dão, até nos amiazão, com a comida, si não fazemos tudo o que elas querem, nos dizem: si continuam assim vai ser fichada na cela e fica sem comer… São muitas as humilhações que temos, abuzão do poder e nos gritão amiazão, que nos fecham em estas celas velhas que as paredes se estão a cair pela humidade, celas fria, solidão, tristezas, choros…

Aqui dentro tenho a vida perdida, estou dentro de uma prisão, presa em solidão, escuto meu coração bater cada palabra um grito de dor, entre os muros de esta prisão.

Das grades desta cela fria vejo os dias passar, maldito tempo perdido neste relogio parado que fica na vida atrazado.

Pela força do destino vim parar a esta prisão fechada em esta prisão sem destino estou sozinha em esta cela com tanta solidão esta prisão nos tortura nosso coração. Mas ainda estou aqui e de mim não desisto. Com coragem e força e fé, estou firme e de pé, tanho alguém a minha espera, meus filhos que por eles estou aqui de pé a lutar com esperança de saber esperar, pretendo alcanssar e minha vida mudar firme e de pé, mesmo sem entender mas luto para vencer. Aqui a vida nem anda pra tras nem pra frente.

Aqui sou uma árvore solitária as raiz já estao secando e minhas folhas estão secas necesito de liberdade pra seguir vivendo, com o carinho e o amor dos meus filhos. A maior alegria e felicidade, ter meus filhos ao meu lado.

Na cadeia

Há afetos que criei. Na escola da prisão os nomes eu não digo, mas estão no meu coração, aqui muita coisa aprendi e afetos desenvolvi, o que esta ajudar pra o tempo passar, superar com respeito e humildade e com muita afetividade, só assim tu serás uma amida de verdade.

Abraços e beijinhos e muita força pra quem está na mesma situação. Um grande abraço para as vozes de dentro que tanta força me dão. Obrigadas.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

Comments are disabled.