Prisão no Feminino – duas cartas de mulheres presas

 

Em Portugal, a percentagem de mulheres presas nunca ultrapassou os 10% da população total encarcerada. Contudo, nas últimas décadas, Portugal é dos países na Europa com as mais altas taxas de encarceramento feminino. Por serem em menor percentagem, mas não só, as mulheres nas prisões são relegadas para a invisibilidade e para o silenciamento, permanecendo obscurecidas as suas experiências de encarceramento, bem como as das dezenas de crianças (até aos 3 anos e, em casos especiais, até aos 5 anos) que habitam nas prisões junto das mães. As condições a que são sujeitas, desde a péssima alimentação; a falta de acesso a cuidados dignos de saúde, a produtos de higiene, a fraldas e a produtos essenciais para bebés e crianças; a sobrelotação; as celas frias e degradadas e, e tal como nos foi relatado desde uma prisão feminina no último mês de Novembro, a falta de água quente, são acrescidas de maior violência e abusos, em parte, devido aos estereótipos de género e raciais que legitimam a dupla/tripla punição exercida através de um maior controlo e repressão pela imposição de regras mais estritas, maior aplicação de sanções disciplinares, medicalização e violências sexuais e raciais. De referir que esta dupla/tripla punição (em função do «crime», do «género» e da «pertença étnico-racial») é também exercida pelos tribunais que tendencialmente condenam as mulheres a penas maiores e lhes aplicam menos medidas de flexibilização. Consideremos também os castigos a que são mais sujeitas dentro da prisão, que as impedem de ter acesso a mais saídas precárias e ou a sair a meio da pena, entre outros direitos que lhes são negados.
As mulheres presas são também mais relegadas ao abandono e ao esquecimento por parte das famílias e das organizações de apoio a pessoas presas, quer durante o encarceramento, quer no período pós-prisão, o que torna ainda mais difícil a reconstrução das suas vidas em liberdade. Muitas mulheres, mesmo presas, continuam a desempenhar o papel de cuidadoras e provedoras de recursos para as suas famílias, com todas as dificuldades e adversidades que a prisão provoca nas suas vidas, nas das suas famílias e das comunidades. Há um número significativo de crianças institucionalizadas devido ao encarceramento das mães, quando são estas as suas únicas cuidadoras.
Os processos de criminalização são, muitas vezes, expressão da continuidade da violência machista a que já eram sujeitas nas suas vidas e que é perpetuada dentro da prisão. Isto porque muitas mulheres presas resistiram nas suas vidas a vários tipos de abuso e de violência de género, sendo comum que os seus crimes estejam diretamente relacionados com a obtenção de recursos para a sobrevivência, como é exemplo o tráfico de droga.
Há um número muito significativo de mulheres racializadas e migrantes nas prisões portuguesas. O Direito, a Justiça e a Prisão são a expressão direta da institucionalização do patriarcado colonial que, há séculos, castiga mais duramente as mulheres, as crianças e outras dissidentes.

Publicamos duas cartas de mulheres presas que denunciam a falta de condições e os abusos de poder a que se encontram sujeitas quotidianamente. Estas cartas foram transcritas tal como nos chegaram.

https://www.jornalmapa.pt/2022/02/13/a-prisao-no-feminino/Jornal Mapa

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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