A atual crise e repressão violenta nas prisões e o silenciamento das vozes de dentro

 

 

A atual crise e repressão violenta nas prisões e o silenciamento das vozes de dentro

As várias situações de violência denunciadas por presxs nos últimos meses, tal como as que a APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso tem tornado público, demonstram claramente que as violências reiteradas e a violação dos direitos humanos nas prisões são comuns, apesar de toda a legislação nacional e internacional que supostamente serviria para diminuir estas situações, e ainda, que ao fim de mais de dois anos os efeitos da crise pandémica nas prisões pioraram as condições de encarceramento e a vida de quem está presa e por isso, o aumento da violência e de mortes (conforme demonstram os dados a 31 de Dezembro de 2020) nas prisões.

Face à crise pandémica a gestão prisional justifica a perpetuação e o exacerbar da repressão e da violência que entram em contradição absoluta com pretensos cuidados de saúde e estão a tornar cada vez mais inviável e violenta a vida na prisão.

Nos contextos prisionais femininos são múltiplas as violências e tendencialmente agravadas pelos estereótipos de género e raciais que determinam mecanismos de controlo mais apertados, castigos e abusos constantes que, entre outras coisas, dificultam os processos de denúncia e promovem o silenciamento a que ficam mais sujeitas as mulheres, trans e crianças que vivem nas prisões. Não esqueçamos, por exemplo, que em 2020 a comissão de direitos humanos da ordem dos advogados denunciou que na prisão de Tires estavam a ser impedidos os contactos entre presas e os seus advogados (https://portal.oa.pt/…/covid-19-comissao-de-direitos…/).

O coletivo Vozes de Dentro nos últimos meses tem recebido inúmeras denúncias de violências dentro das prisões tal como demonstram as cartas que divulgámos: agressões de guardas contra presas, onde se incluem insultos racistas e xenófobos e o assédio e abuso sexual; inúmeras participações disciplinares e castigos; sobremedicalização; ausência de cuidados preventivos e curativos de saúde e interdição de acesso a informações clínicas às próprias pessoas presas; violência nas alas entre presxs gerada pela repressão carcerária e sem qualquer ação institucional de resolução pacífica de conflito; péssima alimentação e escassez de produtos essenciais; fechamento nas celas por períodos de 23h durante as quarentenas que persistem; limitações severas nas visitas; a quase ausência de atividades quaisquer que sejam, laborais, educativas ou sócio-culturais; celas sem janelas e em muitas prisões celas sobrelotadas; repressão e castigo sobre as relações de afeto e intimidade entre as presas; transferências de presos para prisões distantes dos seus contextos familiares; falta de apoio jurídico ou prestação negligente por parte de advogados; entre todo um rol de ilegalidades e violências insuportáveis para quem está dentro.

Sabemos também que não podemos tornar públicas as denúncias e os testemunhos de pessoas presas (mantidos a seu pedido em anonimato) para que dentro não sofram mais represálias, contudo mesmo com estes cuidados as represálias e a censura acontecem não só para quem tem a coragem de falar para fora mas para quem dentro tenta defender-se usando os parcos e muitas vezes ineficazes meios legais para denunciar e defender-se das violências, abusos e negligências que sofrem.

Apesar da intensificação da crise no sistema prisional não vemos quaisquer tentativas de melhoria da situação nem tão pouco um interesse político e mediático nas vozes das pessoas presas e das suas famílias em vez disso prevalecem as narrativas oficiais de dirigentes e guardas do sistema prisional, o que claramente enviesa e deturpa a realidade que se vive nas prisões.

Já são comuns desde várias décadas estes processos de silenciamento e de segredo que banalizam e normalizam as violências nas prisões, principalmente em períodos de maior crise no sistema prisional em que aumentam as denúncias e protestos de presxs e suas famílias. Demonstrativo disto são as várias notícias recentes sobre supostas agressões a guardas por parte de presxs, num período que várias pessoas presas têm denunciado agressões e violências de guardas, não podemos negar que episódios de violência contra guardas não aconteçam, mas a reacção mediática deixa muito a desejar sobre o que realmente se passa dentro das prisões fazendo recair, como já é comum, a culpa da contínua reprodução da violência carcerária sobre as pessoas presas e alimentando as narrativas securitárias e punitivistas.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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