Relato sobre o suicídio de Patrícia Ribeiro na prisão de Tires

Vou falar sobre o suicídio da Patrícia Ribeiro, pois tudo o que passam, na TV, é mentira.!

Eu convivi 1 ano e 11 meses com a Patrícia, e eu não julgo ninguém pelo crime. Ela sempre foi uma boa amiga, que ajudava os outros, que ouvia, que aconselhava.

E foi mais um choque aqui. Não sei se sabes, mas eu e a S. éramos muito amigas dela, principalmente a S. pois depois da morte da Maria, a Patrícia apoiou muito a S.. Ela era do pavilhão d, cela 800 (junto com a N. e a P.), e eu era da cela 801, antes de vir para o pavilhão c. E ela nunca foi da cela da Maria Malveira, que nem passou no Linha Aberta. Ela e a O. tentaram reanimar a Maria juntas.

A Patrícia trabalhava na faxina e pediu várias vezes para sair do trabalho e não permitiram, pelo contrário, gritavam com ela e ela tinha que trabalhar drunfada, pois a enchiam de medicação. Ela tentou suicidar-se várias vezes, e como não deixavam mais ela ficar sozinha na cela, ela “aproveitou” o horário do trabalho, foi até ao 1ºpiso, onde ela limpava, foi na sala de fumo e enforcou-se. Na hora que ela viu que estava morrendo, ela arranhou todo o pescoço, pois tentou tirar o lençol do pescoço, mas já era tarde demais. E aqui no pavilhão c, eu, a T. e a S. nos abraçámos e chorámos muito. E a S. pediu para prometermos que nunca nos mataríamos, e prometemos. E eu pedi para a S. também prometer, e ela disse que não sabe se vai aguentar. É complicado. É uma tortura psicológica, emocional. Estamos cansadas mentalmente. Aqui ficamos muito tempo fechadas, mas na cadeia dos homens não é assim! E porquê? Porque Portugal é um país machista, que inferioriza as mulheres, em todo os aspetos. Não aguentamos mais!

 

 

Hoje publicamos uma carta escrita por companheiras que se encontram na prisão de Tires. Mulheres que, diante de tamanha injustiça, demonstram com um ato de resistência que as pessoas que morreram eram mulheres jovens e acarinhadas. Boas companheiras, amigas, altruístas, solidárias e prontas para ajudar quem precisa. Mulheres amadas!

A maioria das mortes nas prisões são relegadas ao silêncio mórbido do sistema prisional, especialmente as que ocorrem nas prisões femininas. Quando vêm a público são alvo de especulação mediática, de péssima qualidade, por parte de jornais e televisões, tal como sucedeu com as recentes mortes de Maria Malveiro dia 29 de Dezembro de 2021 e Patrícia Ribeiro dia 1 de Janeiro de 2023, na prisão de Tires.
Sejam suicídios reais, ou não, as mortes destas mulheres são embaladas e vendidas a um último linchamento público, sempre da mesma maneira. A mulher é identificada com o crime que cometeu, no máximo, acrescentam a profissão que exercia antes de ser privada da liberdade.
Não são mencionadas as dificuldades vividas pelas pessoas, os problemas de saúde, física e mental, nem as péssimas condições das prisões, que muito aumentam o risco de morte das pessoas presas.

Sabemos que as companheiras de prisão das mulheres que morreram, expressaram de várias formas a sua revolta, nos fatídicos dias em que ocorreram as mortes das suas amigas e companheiras.
Acompanhamos estas mulheres fortes, desde fora das grades, sabendo que uma vez que saíam em liberdade muito terão a nos ensinar sobre solidariedade e resistência!

 

 

 

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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