Carta de L. esposa de um dos presidiários mais antigos no EP de Monsanto

O meu marido é recluso do Estabelecimento Prisional de Monsanto, está aí desde 2016, chama-se P. seu número de recluso é o X, é estrangeiro. Na segunda-feira 02/01/23 era o dia em que ele ficou de me ligar, porque eles só têm 3 chamadas por semana de 10 minutos cada, para ligar para seus familiares, e no nosso caso eles só nos dão uma videochamada uma vez por mês durante 20 minutos porque moro a mais de 10.000 Kms de distância. Grande foi a minha surpresa e angústia que na segunda-feira e terça-feira ele não me ligou e conseguiu ligar na quarta dia 4 de janeiro e me disse que só tem “direito” a 3 ligações POR MÊS, até ao final do mês de janeiro, dizem eles que derivado à greve de guardas. Enviei uma correspondência que demorou 3 meses a chegar que me custou mais de 50€ para que pudesse chegar ao destino. Não estão a entregar e já foram avisados ​​e disseram que é possível que até 31 de janeiro (onde supostamente terminará esta greve) não consigam receber correspondência. Meu marido não recebe visitas, sou a única pessoa com quem ele tem contato, peço que nos dêem o direito que nos corresponde de falar mais e também a nossa videochamada que eles nos dão este mês. Só peço o que a lei contempla, é um direito, dos poucos que têm e que é necessário para a sua reintegração e para a sua saúde psicológica e emocional, e para mantermos os laços afetivos.

Depois de 2 dias que meu marido não me ligou, depois de ligar para o guarda onde me disseram que estavam em greve, por isso o meu marido não me ligou. Depois de enviar um e-mail perguntando se eles poderiam pelo menos me dizer que meu marido está tudo bem, ELE ME LIGOU HOJE! A ligação foi agridoce, porque por um lado eu precisava ouvi-lo, por outro lado me diz que os guardas estarão em greve até o dia 31 DE JANEIRO e que TERÁ APENAS 3 LIGAÇÕES POR MÊS para as suas familias, eles não receberão ou enviarão correspondência. Meu marido NÃO RECEBE VISITAS, é estrangeiro, estou a 10.000 quilômetros de distância… e só têm “direito” a 3 chamadas POR MÊS! E não podem nem chamar nem os seus advogados… É justo? Já fiz as reclamações onde corresponde, mas é justo e necessário contar também aqui, a @todos .

Ontem liguei para o técnica de meu marido preso em Monsanto, um senhor me atendeu e passou para a educadora e ao fundo ouço ela falando: LIGOU DE NOVO, ela OUTRA VEZ!! (mas de um jeito ruim) e ela pega o telefone e me diz que se acontecer alguma coisa com meu marido eles vão me avisar, e aí eu disse a ela: SENHORA EU TE PERGUNTEI SE PODERIA LIGAR DIARIAMENTE PARA SABER COMO ELE ESTÁ, E ME DISSERAM QUE NÃO HAVERIA PROBLEMAS, e entenda que se eu não tiver notícias do meu marido por muitos dias eu me preocupo e vou ligar para saber sobre ele e ainda mais quando você me disse que eu posso ligar. E quando ela começou a falar comigo a comunicação foi cortada, pensei que era meu crédito porque a chamada me custou 1€, mas não, não sei se foi a cobertura ou se cortaram. Não liguei mais de volta porque só cobrava o suficiente para falar com eles. Não posso ser grosseira como eles em minha resposta, porque mais tarde tenho medo que tirem minha videochamada, ou restringir mais as ligações, só tem 3 ligações esse mês devido à maldita greve. Tudo isso é muito difícil para mim porque por não entender bem o idioma fico em desvantagem, mas tem coisas que eu entendo e sei quais são os meus direitos e se não quiserem trabalhar não é problema meu, liguei para perguntar por ele, se ela não quer fazer o trabalho dela ou teve um dia ruim, não é problema meu. Eu não vou começar a gritar com ela ou insultá-la também, porque sou educada, mas não entendem e não se importam, meu marido é muito importante para mim.

MONSANTO, um lugar que não se preocupa com os reclusos e menos com as famílias. Ontem meu marido deveria ter me ligado e não ligou, hoje esperei e ele também não ligou. Aí eu ligo e o bom é que o guarda que me atendeu foi muito gentil, pois eu não falo bem português por ser de X. E ele confirmou que eles ainda estão em greve. Eles pouco se importam em limitar mais do que já limitam. Eles já têm o suficiente para também aguentar não falar com seus parentes.

Sinto impotência e indignação com a situação que meu marido e seus companheiros do EP Monsanto estão passando. Esta absurda greve de guardas, onde só são permitidas 3 chamadas por mês, não há entrega nem receção de encomendas, onde um advogado é rejeitado à entrada para atender o seu cliente, onde o profissional tem de pedir alvará, quase implorar para ver o seu cliente que tem documentos urgentes e importantes para entregar, um advogado que vai de XX por exemplo, a 60km do estabelecimento. Uma greve incoerente, onde os guardas fazem as atividades habituais (punir, oprimir, levar os reclusos aos telefones e ao pátio), mas não entregam a correspondência dos familiares, nem dos advogados, não recebem os pedidos para exames médicos (vários reclusos pediram cuidados médicos), e os abandonam à sua sorte, é um atentado à saúde física e mental, contra a higiene, não os levam ao cabeleireiro há 3 meses.

Não vou esperar uma desgraça sentada… Eu vou lutar. O meu marido já tem 60 anos, não está mais aí para as brincadeiras e caprichos dos guardas que brincam com saúde e paciência de todos. Eu me preocupo muito, tive ataques de ansiedade, às vezes o ouço confuso, sem querer, ou tenho medo de que suas faculdades mentais sejam afetadas, só temos ligações de 10 minutos e às vezes ele repete coisas que já me disse em outra ligação ou muda algumas coisas… isso me deixa muito mal.

Agora tomo muito cuidado ao dizer e fazer as coisas porque nos deram uma videochamada (que conta como visita) mas só de 20 minutos e no final de janeiro tem a sua aprovação e tenho medo que retaliem e cortem tudo.

Eu realmente não sei porque isso só acontece em Monsanto, se são a mesma união de guardas, eu acho. Já fomos a todos os níveis possíveis, mas não há resposta, não há empatia, só peço que Deus na sua misericórdia lhes dê sempre o triplo de tudo o que fizerem (eles vão ver se são coisas boas ou más). Mas chega de brincar com as famílias! chega de humilhação! Isso vai contra todas as leis de direitos humanos!!! NÃO SEI EM QUE MÃOS ESTÁ DELEGADO CORRIGIR A SITUAÇÃO DOS GUARDAS, SÓ SEI QUE NÓS, AS FAMÍLIAS, NEM OS PRESOS NÃO TEMOS CULPA!

Força a @todos (Por favor compartilhe)

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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