2023/04/07
“Viver todos os dias na humilhação que nós passamos é muito triste, para 1 ser humano”
Quarta feira 8 Março 2023
Hoje por volta das 17:30 da tarde eu P. saí da cela e estava à espera que começassem a chamar para receber os meus 2 vales de correio, esperei ao pé do gradão, passado por aí 10 minutos começaram a tal chamada. Primeiro chamaram o 1º piso e depois chamaram o 2º piso, e depois por fim nunca mais chamavam o 3º piso passava o tempo e nada, então eu decidi chegar perto da guarda G. e lhe perguntar D. G. não me sabe dizer nada sobre os vales? E logo de seguida começou aos berros comigo, e partiu para cima de mim para me tentar agredir, como se eu tivesse tentado faltar ao respeito e eu lhe disse: – você não pode gritar comigo assim, eu não sou nenhum animal nem sou sua filha – e continuou a tentar me agredir e se não fosse as outras reclusas a segurar a guarda ela tinha-me agredido, essa senhora não está preparada psicologicamente para estar a lidar com a população prisional. Tem um comportamento agressivo e já tem conflito com diversas reclusas e em mim causou um desconforto emocional e psicológico provocando medo ansiedade desconforto e trauma uma vez que já estou presa 24h por dia em condições precárias onde não temos água quente, as janelas estão partidas, há muita humidade, as torneiras quebradas, e uma alimentação totalmente fora da realidade do século XXI, ás vezes passamos semanas sem comer só sobrevivemos no pão e o pão que compramos com o dinheiro que a família pode nos enviar. Os preços na cantina são totalmente o dobro da rua, e há pessoas que sofrem torturas que não são permitidas por lei como estar no manco por muito tempo.
Não temos auxílio quando estamos doentes nos mandam tomar um chá e um banho quente porque alegam que não tem ordem para abrir as portas. Há sobrelotação, nos obrigam a ficar com 5 pessoas na cela onde não tem nem 5 metros quadrados.
Tem muita confusão, negócio e tráfico de drogas a céu aberto, relatórios montados e ainda a juíza está obrigando as reclusas a saírem sem condicional cumprindo até o final da pena. Existe trabalho escravo e muita humilhação e as reclusas aguentam porque precisam de 50€ ou 60€ [o que algmas conseguem ganhar mensalmente].
Onde espancam a reclusa doente que não tem família porque dá muito trabalho. A S. tem esquizofrenia, tem reclusas na cadeira de roda sem condições. Aqui tem uma ditadura camuflada, quem ousar falar é duramente castigado. Tem homofobia, racismo, xenofobia tudo, por parte, de quem trabalha no sistema guarda que fala para reclusa que está se cagando que ela aqui não passa de uma reclusa e que a guarda aqui sou eu. Depois você quer pedir uma transferência para outro EP e vem negado pois aqui existe um negócio para reter pessoas tanto estrangeiras como portuguesas para alimentar a máquina do Estado onde este ep está inaceitavel e ninguém fecha. Onde as guardas fazem o que querem e nem a diretora sabe, voltámos à era de Hitle[r].
Por Deus quando isto vai ter fim, não há um entidade para ver isto? Guardas que não respeita!
Esta prisão está violando todos os direitos humanos estamos num tremendo sequestro Estatal, sem direitos alguns, precárias negadas, condicional negada, castigos indevidos, pessoas com problemas mentais, pessoas mantidas altamente medicadas. Um psiquiatra que é autoritário que é favorável a castigos e receita medicamentos para manter as reclusas nos castigos.
É uma ditadura que não tem fim em pleno século XXI.
O sistema separa os casais lésbicos só por que não gosta de lhe ver juntos, ou porque não lhes dá a possibilidade de estarem juntos, privando o afeto entre as pessoas.
Há um nepotismo gigantesco neste ep.
E há um favoritismo de guarda para guardas e para algumas reclusas que jogam do lado do sistema.
No bar do EP muitas vezes não tem nada, nem copos para um simples café é uma vergonha não termos nada na cantina para podermos comprar, com o pouco que a familia, nos pode mandar.
No dia 12 eu e as minhas colegas estávamos no buraco que lhe dão o nome de cela, e fomos comer abriu-se o pão e lá dentro estava um cabelo enorme. E não podemos reclamar, porque já sabemos a resposta. Aqui é um autêntico cemitério dos vivos, só chegam pessoas com problemas com drogas, com problemas psiquiátricos, pessoas que não estão aptas, para o comprimento da pena é uma autentica vergonha estar presas porque cometemos 1 crime e em vez de melhorar só pioramos, porque aqui não há ressocialização alguma e onde os maiores criminosos se encontram nesta instituição. Não temos qualquer liberdade de expressão somos pequenas marionetas do sistema.
Não podemos usufruir dos nossos direitos nem da garantia quando vamos embora deste inferno.
Quinta-feira na hora da medicação estava uma reclusa a D. a tentar resolver um problema, que se passava com ela dentro da cela nº738 e se dirigiu às guardas [que] não resolveram nada, então ela disse que se não resolvessem ela não iria para a cela, então a D. G. disse-lhe: – então vamos ver isso quando o pavilhão estiver calmo. Passado um pouco foi agredida pelo corpo de guarda prisional ficou com o olho roxo e inchado, mandaram-na contra o gradão com toda a força. E essa mulher tem problemas de saúde. Onde está alguém para lhe ajudar? A sério já não estou aguentar mais estar aqui, estou num buraco tão escuro e não sei como consigo, sair dele.
Viver todos os dias na humilhação que nós passamos é muito triste, para 1 ser humano. Por agora não tenho mais nada a dizer.
Ass: ….
PS. Obrigado por me estar a querer ajudar. beijinhos
About Vozes de Dentro
Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias.
As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões.
As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1).
Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3).
Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4).
A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais.
Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada.
A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas.
Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5).
Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização.
O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro.
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