Olá,
[…] Aqui não nos deixam trazer nem um pão para a cela, se janta às 17h30. Nos fecham às 19h, vê lá que se janta às 17h30 e não nos deixam trazer um triste pãozinho, eu quase não como. Emagreci muito, isto é um inferno, mas pronto, assim é a vida. […]
01/2023
Ola C.,
Desejo que estejas bem.
Eu cá estou com a minha dor.
O dr.P , disse-me que fosse a falar com a psicóloga, mas eu não quero.
Aqui, temos um médico, que só vem quando ele quer, PASSA meses, sem VIR. Nós nos apontamo-nos e as poucas vezes que vem, não nos chama a todas, só está 20 minutos ou 30. Não nos faz observações como médico, quem vem dar-nos a medicação é uma enfermeira, e aqui há doenças Graves.
Nos Fecham às 19h. quando alguém está doente tocamos às portas [das celas], Demoram muito a socorrer, as pessoas, e ainda, ASSIM, Não há médicos nem enfermeira, “Algumas Guardas Fazem De médico”.
As Camaratas, são: De 5 pessoas, outra de 7, outra de 4 pessoas, e é pequena para tanta Gente, e ainda por cima estamos encurraladas, com as janelas [tapadas].
Taparam-nos As Grades com uma Rede com buraquinhos muito pequeninos. Não Entra AR, temos tipo uma persiana toda em chapa, E Não se vê NADA pra Fora, AXO que isto não está na lei, isto é uma tortura, sofremos de Ansiedade, porque não podemos respirar, e somos várias pessoas na mesma cela. Às Vezes dá-nos ataques De pânico, chamamos As Guardas, elas Vêm, mas ainda por cima Nos Gritam por que tocamos Às portas.
Mas não todas as (Guardas são Iguais.)
Algumas Guardas, quando vêm, pela manhã, os bons dias delas são A Gritar e nos poẽm Nervosas.
Isto é um Inferno, o que estamos a PASSAR.
Sem médicos, sem médico as 24 horas, Ele, só vem quando lhe apetece. Ainda Vêm tarde, e ainda por cima, Nos FALAM mal. Nós nos queixamos de dores nas costas, ou em qualquer sítio do corpo, e Ele não nos examina, só Nos manda, Nolotil, ou Ipobrofeno, e já está, e se temos uma doença GRAVE? Aqui Ficamos com a doença, até que se espalhe pelo o corPo. Só, se estamos já quase A morrer é que Nos Fazem caso.
E pronto e ASSIM sofremos Gritos, Aguentamos As Guardas, Que como Dizem Elas “Nos somos Guardas e é quando eu quero.”
02/2023
About Vozes de Dentro
Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias.
As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões.
As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1).
Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3).
Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4).
A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais.
Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada.
A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas.
Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5).
Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização.
O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro.
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