Carta sobre a escravidão numa prisão feminina…

 

Oi …,

Vim relatar a escravidão que as trabalhadoras passam na Polismar. A Polismar é uma empresa de plásticos industriais, que tem trabalho em vários E.P’S, femininos e masculinos. Aqui, trabalhamos de segunda a sexta, das 09hrs às 11:45hrs, e das 14:15hrs às 17hrs. Trabalhamos muito, fazendo escolha e montagem de peças, para ganhar no final do mês mais ou menos 50 euros. Não temos condições de trabalho! A responsável da Polismar não deixa ligar os ventiladores, reclama de irmos a casa de banho, grita e nos humilha, e sempre nos ameaça alegando que cortará o nosso prêmio e que irá demitir todas. E quando nos cortamos (usamos faca no trabalho), não tem penso nem nada. Porém, na cadeia dos homens é bem diferente. No E.P. Sintra, o ordenado é mais ou menos 150 euros por mês, tem condições dignas de trabalho e sem ameaças. Nós, mulheres, somos esquecidas e desvalorizadas, em comparação aos homens. Eu trabalho lá há …meses, e só não saí ainda, pois manchará meu percurso prisional e relatório social, porque para o sistema esse absurdo é “reinserção social.” Minha liberdade vale tudo, até passar por essa escravidão! É fudido! Mas o sistema é assim, e se não “concordarmos” com o sistema, nunca se vai embora desse inferno.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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