Carta de esposa de homem preso à direção da prisão de alta segurança de Monsanto

Sou mulher de um recluso de Monsanto que lá está há quase 7 anos, eu moro a 10.000 quilômetros de distância, sou maior de idade, em pleno gozo de meus direitos, respeitosamente venho a vocês por meio deste e-mail para declarar o seguinte.

A única forma que temos de nos comunicar desde que ele foi privado de liberdade são os telefonemas que são constantemente e infelizmente alterados contra o que precisamos [para] estar [em] comunicação, também temos uma videochamada por mês de apenas 20 (vinte) minutos.

O motivo dessa reclamação é novamente em relação as ligações, como já mencionei acima, tem alterações desfavoráveis, violando constantemente nossos direitos. Os reclusos sempre tiveram 3 (três) tentativas de ligar para a pessoa com quem desejam se comunicar, e há quase 2 meses, de um dia para o outro, saiu uma “comunicação” de que só poderiam fazer uma (1) tentativa e se nessa tentativa houve falha ou a ligação não saiu, ele não tem mais o “direito” de tentar novamente. O que era normal até recentemente.

E minha pergunta é: como 1 segundo de tempo muda pressionando #Redial e tentando novamente? Acontece-nos que estamos fora e uma chamada quando não tem conexão, voltamos a tentar e ainda mais quando se trata de algo importante. E as ligações, com um preso de Monsanto, a mais de 10.000 quilômetros são tão importantes quanto qualquer comunicação que você tenha com suas famílias, que você pode fazer na hora que quiser. Uma ligação internacional custa muito para entrar na primeira tentativa, sabemos perfeitamente porque antes, quando eu tinha 3 tentativas, acontecia que na 2ª ou 3ª vez entrava e às vezes nem essas chegavam. É a única forma que temos para nos comunicar, os custos da ligação são por nossa conta, então literalmente não custa muito para o E. P em questão e por isso peço um pouco de empatia, e que por favor autorize as 3 tentativas novamente para ter uma comunicação “dentro do normal ” e os 10 minutos para 3 dias que temos. Peço encarecidamente que tenha em atenção este meu pedido, pois trata se de um simples ato de humanidade e que autorize as 3 tentativas novamente.

Semana passada, passei sem conseguir me comunicar com ele, e infelizmente não posso ligar para ele, nem ele pode ligar quando quiser, porque ele marca a ligação, por exemplo, às 15h e só o vão buscar às 17h ou até mais tarde, e aí se eu perder a ligação, eu perco a oportunidade de ouvir meu marido para saber como ele está, se ele está com alguma doença ou se ele precisa de uma cantina ou do envio de algum jornal. Infelizmente não posso ligar para descobrir como ele está pela [sua própria boca], porque não é possível. A única saída que eu tenho quando não falo com ele há dias é ligar para a Monsanto para saber se houve algum problema (foi assim que descobri que ele estava internado por Covid e  da greve dos guardas, porque eles também não tiveram a gentileza de me comunicar), e uma ligação para mim de onde estou para a Monsanto custa muito, na parte econômica, o idioma e também os maus-tratos e falta de respeito que sofri por parte da técnica do meu marido da última vez que liguei para saber dele .

Por isso, mais uma vez apelo, fazendo uso dos nossos direitos e porque defendem muito que os reclusos tenham ligação com as suas famílias para uma melhor reinserção social, que lhe possam conceder novamente pelo menos as 3 (três) tentativas de ligação como anteriormente e 3 chamadas de 10 minutos por semana. É um pequeno pedido para você, mas algo muito grande e valioso para nós.

 

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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