Carta de companheira presa

 

Lembro-me de ter sempre ciente em mim a noção daquilo que queria ser quando crescesse. Queria contar histórias as pessoas e mostrar que a realidade é feita de vários moldes. Quando olho pra trás me consigo de alguma maneira rever. Isso tras felicidade, claro, mas tambem a certeza de que o caminho nunca se faz sem se ultrapassar obstaculos. Mas desde que entrei em prisão minha vida parou no tempo na rua era lembrada na prisão sou esquecida. Aqui em 4 paredes humidas, caroxo nas paredes colchões humidos não há aquecimento, tanto sufrimento e solidão que se passa aqui, so vejo muros, grades furregentas portas velhas, abaterem com tanta força que ate me arrepia a espinha da maneira como nos fechão as portas com uma força tremenda que ate tremem as paredes. Somos humilhadas pelas guardas, so sabem mandar calar-nos e gritar-nos, elas estão frustradas e mal amadas, e beiem da rua a pegar com nós, e nós temos que as ouvir e calar, por que se respondemos fazem-nos participações e bamos pra o castigo, e é o que elas querem, é ver-nos mal.

No outro dia na ala 1 uma guarda bateu em uma gravida de 6 meses, ela é romena e se tei 19-20 anos. So porque a rapariga se esqueceo de algo na cela, e ela lhe pedio à guarda pra que lhe abrisse a porta pra ir buscar o saco pra ir à cantina, a guarda se chatio tiveram um bate boca, a guarda atirousse à grávida e agredio, não querião que fosse aos clinicos mas as colegas poransse todas a gritar e foi de aí que alevaram aos clínicos e os medicos tiraram fotos à grávida, ele tinha negras no corpo. Agora vamos ver o que se vai passar com a guarda, si é despedida, que ja não e a primeira vez que ela agrede as reclusas, isto é um sofrimento constante, em ves de aguontarem-nos a nós, nós é que aguontamos a elas, por que sabem que si fizermos M… quem perde somos as reclusas e elas fico impunes como sempre.

Ninguem sabe o que se passa ca dentro nas prisões, isto é um sofrimento que nos vai ficar seculos pra vida.

um bejinho e abraços pra quem lê este relato triste.

Força colegas que de aqui saimos, e as guardas ficão aqui ate a reforma abrindo e fechondo portas.

Força ate sempre.

A VOZ DE DENTRO ME APOIA MUITO

OBRIGADOS POR ESTAR AI CONOZCO

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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