Mais uma morte no Linhó! As consequências da greve de guardas prisionais

No passado dia 21 de maio de 2025, um jovem de 25 anos foi encontrado enforcado na sua cela no Estabelecimento Prisional do Linhó. Duas mortes em dois meses ocorridas durante o período da greve de guardas prisionais. Como tantas vezes acontece nestes períodos, aumentam as mortes, a violência e a tortura sobre as pessoas presas.
Antes de mais gostaríamos de demonstrar toda a nossa solidariedade e apoio com familiares e amigos dos dois jovens mortos na prisão em Linhó nos últimos dois meses.

Não esqueceremos. Não nos calaremos.
Nem mais uma morte na prisão!

A greve de guardas prisionais no Estabelecimento Prisional do Linhó, que se prolonga desde 6 de dezembro de 2024, aprofundou o inferno do buraco cavernoso, aumentando o risco de vida de quem está encarcerado nesta prisão. Tal como revelam as duas mortes que ocorreram nos últimos dois meses: A primeira, a 7 de março de 2025, quando Gabriel Sousa, de 28 anos, foi encontrado morto na cela. A segunda, a 21 de maio, envolveu um jovem de 25 anos, encontrado enforcado.


Como tantas outras greves de guardas prisionais — e como se vive, desde Abril também em Tires — esta é feita à custa do corpo e da vida das pessoas presas. Em nome de interesses corporativos, reforça-se o castigo, o isolamento e a violência institucional. Faltam recursos básicos, a água, intermitentemente cortada e fornecida à míngua; o fecho prolongado nas celas sobrelotadas é regra; a comida é insuficiente e intragável; o acesso a cuidados de saúde é praticamente inexistente ou indigno; contenção através da intoxicação medicamentosa; os espancamentos por parte de guardas prisionais, o aumento da violência e as torturas institucionais. E somam-se ao isolamento atroz: visitas canceladas ou restringidas, barreiras ao envio de bens essenciais e suspensão de atividades educativas, culturais e laborais. Estas são parte das denúncias que nos chegam de dentro por vozes de pessoas presas no Linhó (testemunho abaixo), de familiares, de advogades.

É importante ressaltar que a superdosagem de medicação, o incentivo por parte dos guardas para que as pessoas se suicidem e o isolamento extremo são práticas comuns nas prisões. Apesar da existência de greves, o sistema mantém-se inalterado, reproduzindo regras que castigam em vez de proteger. Mesmo durante as greves, os castigos continuam. É também importante lembrar que há pessoas presas há anos, meses ou dias, muitas das quais desenvolvem patologias graves. Algumas estão sinalizadas, mas os guardas prisionais nada fazem — ocultam, agridem. O tráfico de drogas mantém-se ativo, mesmo durante as greves. As pessoas presas são submetidas a um tratamento desumano, com agressões físicas e psicológicas constantes. A morte deste jovem, como a de tantas outras, é um homicídio grave sustentado por um Estado que investe milhões num sistema que mata. A prisão é um sistema fechado, sem justiça, mantida com o dinheiro dos contribuintes, enquanto as famílias de pessoas presas são extorquidas com pagamentos ligados ao tráfico e aos carregamentos quinzenais.

Esta suposta reivindicação de direitos por parte de guardas prisionais não é senão uma chantagem exercida através do reforço da tortura quotidiana de pessoas presas. Sabemos que a lógica dominante entre o corpo de guardas se apoia na ameaça indireta de revolta, usando o sacrifício dos reclusos como arma. Sabemos também que a provocação de conflitos e o uso da violência — entre e com as pessoas presas — são práticas comuns, normalizadas no exercício da “segurança”.
Estas greves não podem continuar. Não são apenas protestos laborais: matam. Mataram. E continuarão a matar, enquanto forem toleradas como ferramenta de chantagem sobre quem está privado de liberdade e de direitos básicos.

Recusamos o silêncio, a indiferença e a cumplicidade.

Recusamos o encolher de ombros institucional e a normalização da morte como parte do sistema prisional.

É urgente expor, denunciar, mobilizar.

É urgente romper o isolamento das pessoas presas e fazer frente à cultura punitiva que naturaliza a violência como resposta à pobreza, à dissidência, à exclusão.

Chamamos à mobilização coletiva.

Por justiça, por memória, por todas as vidas interrompidas.

Nem mais uma morte na prisão!

Não em nosso nome!

Testemunho de um homem preso no Linhó: https://corpoemcadeia.com/2025/03/27/testemunho-correspondencia-durante-a-suspensao-das-atividades/

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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