A Greve dos Carrascos


Mais um ano que chega ao fim e regressa a greve de guardas prisionais nas várias prisões do país. Estas greves acontecem anualmente neste período há mais de uma década e demonstram a desumanização impostas às pessoas presas.

A gestão securitaria e repressiva da prisão está totalmente dependente da presença de guardas para o funcionamento do já restrito quotidiano prisional com severas limitações à circulação das pessoas especialmente das presas. Por isto a greve dos guardas implica mais restrições, mais isolamento dentro e no exterior pela limitação de contato com familiares e amigos, mais violências físicas e psicológicas para as pessoas presas: fechamento nas celas por maiores períodos que podem chegar às 22h; a suspensão parcial ou total de atividades laborais, educativas e culturais (para quem tem acesso nas prisões onde existem); a suspensão total ou parcial das visitas, da recepção de encomendas e da recepção e envio de correspondência; acesso mais limitado à cantina para a compra de produtos essenciais (escassos e de baixa qualidade, sobretudo os alimentares, e com preços mais altos que no exterior); maior limitação de acesso ao uso das cabines telefónicas; ainda maior demora no atendimento das técnicas reeducadoras fundamentais para os diversos procedimentos: pedidos de precária, de visitas, etc; limitações no transporte para audiências, idas ao hospital; maior negligência médica, ao mesmo tempo, que se agravam as condições de vida desumanas nas prisões com graves efeitos na saúde física e psicológica das pessoas presas.

Esta suposta reivindicação cruel de direitos passa pela tortura das pessoas presas. Sabemos bem que a lógica que impera entre o corpo de guardas prisionais é a ameaça indireta de revoltas dentro das prisões através do sacrifício de presos. Além de que é já comum no quotidiano prisional a provocação e o uso de conflitos e da violência entre e com as pessoas presas, por parte de guardas prisionais no exercício da “segurança”.

As prisões sao as trincheiras da guerra social constantemente silenciada e manipulada onde pessoas são sacrificadas para a manutenção da ordem imperial heteropatriarcal e racista.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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