Não há prisões num paraíso queer

As prisões não são nem nunca serão espaços livres de violência em todas as suas formas. Por mais leis que tentem garantir direitos às pessoas presas estes são sempre instrumentalizados e subvertidos pela lógica carcerária do castigo heteropatriarcal e racista.

Tal como nos demonstra a recusa das guardas em Tires para cumprir com o desnudamento e revista corporal a uma mulher trans. Além destas medidas constituírem uma das formas de violência que se vive nas prisões, a recusa por parte das guardas poderia implicar a aplicação desta medida por parte de homens guardas e/ou o encarceramento desta mulher no hospital prisional ou em cela disciplinar, como tem sido prática no sistema prisional português relativamente às pessoas trans.

E ainda acresce a esta sucessão de violências a forma discriminatória e punitivista como os media noticiaram esta situação ao revelarem uma foto da mulher trans presa preventivamente e o crime pelo qual está acusada. O que constitui uma violação dos seus direitos ao sigilo sobre a acusação criminal e proteção da identidade e coloca em risco a sua segurança dentro e fora da prisão.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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