Sobre os acontecimentos de 31 de Dezembro de 2023

Sobre os acontecimentos do dia 31 de dezembro

No dia 31 de Dezembro de 2023, várias pessoas em Lisboa e Coimbra juntaram-se em frente a prisões em solidariedade e apoio com todas as pessoas presas, as suas familías e crianças em Portugal, na Palestina e no mundo. Tal como acontece em vários países num gesto solidário, estivemos do lado de fora dos muros a comemorar a passagem de ano junto daqueles que ao nosso lado resistem quotidianamente às maiores torturas e violências do estado carcerário. Cantámos, dançámos e gritámos em uníssono contra todas as prisões e o imperialismo militarista e genocida que há décadas tenta a aniquilação do povo palestiniano.

Em Lisboa, quando já se aproximava o fim da concentração à frente do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), um companheiro solidário foi violentamente detido e um jornalista agredido por vários elementos das forças policiais que naquele momento atacaram o pequeno grupo que ainda se encontrava no local. Segundo a PSP, em declaração aos media, o motivo que justificou o “recurso ao meio coercivo de baixa potencialidade letal” foi a necessária detenção do companheiro por supostamente ter-se identificado com um nome falso, uma situação de extrema gravidade e risco para a ordem e paz social que estes escravos fardados têm de garantir.

Esta situação não se trata apenas de um caso ou de uma cara, mas de uma conjuntura do aumento da repressão e de sucessivas detenções em ações de solidariedade e de luta. Como já temos visto desde as detenções de ativistas pelo clima, a agressão policial na manifestação casa para viver no dia 1 de Abril de 2023, os sucessivos despejos de pessoas e famílias das suas casas sob a ameaça e violência das forças policiais, as tentativas de ilegalização dos protestos de professores, a usurpação e expropriação de terras para fins extrativistas que ameaçam as populações locais em luta e que de dia para dia se deparam com a repressão policial, etc. Para quem se organiza contra a  exploração, a expropriação e a repressão aumentam as tentativas de interrupção das reivindicações e de intimidação. Nada de novo no “paraíso” das democracias liberais, afinal para que serve a polícia senão para proteger os seus amos?

Neste cenário de repressão crescente da ação e mobilização coletiva, aprofunda-se a exclusão, a punição seletiva e a repressão sobre comunidades pobres e racializadas dentro e fora dos muros. O securitarismo, a precariedade, a censura e a tortura que presas e suas famílias e amigos denunciam desde dentro das prisões estendem-se aos nos nossos bairros, aldeias, ruas e instituições. Os mass media neste contexto têm colaborado para a propaganda securitária de repressão e silenciamento das pessoas que resistem reforçando: o discurso oficial das polícias e dos seus mandatários políticos, a criação de bodes expiatórios e a criminalização da resistência popular.

A única resposta é continuarmos a resistir e a lutar contra todas as formas de violência e tortura policial, contra todas as prisões! A luta anti-carcerária é de todes as que resistimos às múltiplas formas de opressão!

Apelamos à solidariedade com todas as pessoas presas e/ou que sofrem a repressão e violência policial, e agradecemos a todas que estiveram presentes nas concentrações de dia 31 de dezembro, lembrando que não esquecemos aqueles e aquelas cujos corpos sofrem enjaulados a tortura e o sequestro estatais.

A nós não nos cuida a polícia, cuidam-nos as nossas companheiras.

Contra todas as prisões e o mundo que as necessita, somos ingovernáveis!

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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