A atual crise e repressão violenta nas prisões e o silenciamento das vozes de dentro

 

 

A atual crise e repressão violenta nas prisões e o silenciamento das vozes de dentro

As várias situações de violência denunciadas por presxs nos últimos meses, tal como as que a APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso tem tornado público, demonstram claramente que as violências reiteradas e a violação dos direitos humanos nas prisões são comuns, apesar de toda a legislação nacional e internacional que supostamente serviria para diminuir estas situações, e ainda, que ao fim de mais de dois anos os efeitos da crise pandémica nas prisões pioraram as condições de encarceramento e a vida de quem está presa e por isso, o aumento da violência e de mortes (conforme demonstram os dados a 31 de Dezembro de 2020) nas prisões.

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Solidariedade com os presos em luta no Estabelecimento Prisional de Monsanto!

Solidariedade com os presos em luta no Estabelecimento Prisional de Monsanto!

15 homens presos no EP de Monsanto encontram-se em greve de fome e de sede em protesto contra o agravamento das condições de detenção a que estão sujeitos desde o início da crise pandémica.

O EP de Monsanto é uma prisão de segurança máxima onde quem está preso fica confinado à cela individual uma média de 22h, as refeições são feitas individualmente na cela, são apenas permitidas duas horas de recreio onde são altamente vigiados, as atividades laborais e educativas possíveis são escassas e com pouca frequência, atualmente praticamente inexistentes, as visitas são sujeitas a várias restrições desde a separação por vidro até à impossibilidade de receberem comida ou outros bens essenciais por parte de quem visita. A vida nesta prisão é já habitualmente marcada pelo isolamento extremo aliado às péssimas condições de detenção ficando seriamente comprometidas a saúde mental e a vida para quem está encarcerado. Recentemente em Agosto de 2021 um homem preso em Monsanto fez queixa à DGRSP denunciando o severo regime e as condições desumanas nesta prisão (https://onovo.pt/…/fugitivo-argentino-queixa-se-da-vida…)

Esta prisão é também aquela que serve para castigar mais duramente aqueles que são acusados de desobedecer e pôr em causa a ordem prisional noutras prisões e relembramos que no início da crise pandémica vários homens reclusos foram transferidos para a prisão de Monsanto por terem denunciado a situação dentro das prisões através da publicação de vídeos nas redes sociais (https://www.jornalmapa.pt/…/03/31/as-prisoes-sao-um-virus/).

A crise pandémica veio agravar a situação nas prisões. Confinamentos e quarentenas nas prisões significaram uma extensão do regime de segurança máxima a grande parte da população prisional nas diversas prisões. Algumas das consequências diretas foram o aumento do número de suicídios que duplicou em 2020 e o aumento da violência institucional que de entre outras formas se traduz na sobremedicalização, que muitas vezes resulta na morte das pessoas reclusas às mãos do estado, tal como, são exemplo as mortes de Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues no EP de Lisboa em Setembro de 2021 e de Miguel Cesteiro no EP de Alcoentre a 10 de Janeiro de 2022 (https://www.jornalmapa.pt/…/juntas-os-do-luto-a-luta…/).

Além disto os parcos recursos materiais e afetivos a que as pessoas presas podiam aceder para suportar a vida na prisão, tais como bens alimentares e outros bens essenciais, visitas e contacto com familiares e amigos e atividades dentro da prisão foram e continuam a ser severamente limitados, sob a justificação da Covid-19, particularmente na prisão de alta segurança de Monsanto, tal como denunciaram ontem estes 15 homens em greve de fome e sede, através da APAR (https://www.facebook.com/APARPT/posts/5223404911029124).

O gesto dos quinze vem se juntar a muitas outras queixas, que descrevem as condições insuportáveis da prisão de alta segurança de Monsanto. Além disso, o protesto foi implementado devido à ausência de qualquer atividade, ao encerramento da biblioteca, do ginásio e às restrições impostas aos reclusos e seus familiares desde o inicio da pandemia.

As suas reivindicações são: a abertura da biblioteca e ginásio. O regresso de produtos que deixaram de poder comprar na cantina, tais como, leite de soja, adoçante, pão fatiado, queijo, fiambre, mortadela, chourição presunto, frutos secos, fruta variada, salsichas, alface, tomate e café solúvel e que as máquinas de venda automática voltem a ter hambúrgueres, cachorros, pizzas e sandes variadas.

Toda a nossa solidariedade com os presos em luta!


Amor Entre Mulheres na Prisão em Portugal = Solitária

   

A desumanização da prisão passa pelo controlo e repressão das relações de amizade e intimidade e da expressão do afeto tão fundamentais para a sobrevivência e para sermos humanas. O toque, um abraço ou qualquer expressão de afeto são motivo de castigo incluindo o internamento em cela de isolamento.

A repressão, a perseguição e o castigo da sexualidade sob uma moral patriarcal e heteronormativa criam as condições para o abuso, e a violência sexual e a profunda desumanização a que as pessoas presas são sujeitas na prisão.

A carta que partilhamos foi nos enviada desde uma prisão em Portugal.

“Violência Sexual, Moral e Psicológica

Aqui na cadeia a meu ver como reclusa há alguns anos e bissexual que não escondo para ninguém! Existe sim violência sexual 1º porque somos privadas de manter qualquer contacto, se tiver parceiro ou parceira é tudo dificultado, se conhecemos alguém aqui dentro e criamos afinidades não nos dão condições para ter uma relação intima, que no meu ver é muito incorreto, por vezes gera muita promiscuidade por parte de algumas pessoas pelo fato de não obterem este tempo e espaço, já vi muitas vezes gente ir ao castigo pelo fato de ter sido pega no ato sexual, agora eu pergunto o sexo entre duas pessoas que se gostam e é consentido é crime? Claro que não! Crime é colocar estas pessoas de castigos psicológicos por fazerem algo que todos nós humanos praticamos diariamente, para mim isto é uma grande violência!

Outra coisa que é muito comum são os guardas homens assediarem-nos a nós reclusas e não são punidos isto é crime, por vezes posso garantir que ter relações sexuais com um guarda prisional é super fácil basta ser caladinha e entrar no jogo nojento, isto sim é abuso. Conheço duas reclusas que têm um “namoro” (risos). Rio-me porque não vejo isto como namoro e sim um aproveitamento com uma guarda prisional sim isto mesmo que você está lendo!

Em outros casos já pegámos em flagrante guardas aos beijos com reclusas na casa de banho.

Acho que devia sim ter um sistema em que as mulheres pudessem ter o seu ponto de privacidade respeitado e não violado.

Aqui tem muitas confusões nas celas porque muitas vezes colocam mulheres juntas, ali vivem, se gostam, começam uma relação e muitas das vezes como ficamos 24h por dia sem fazer nada, estas pessoas terminam na noite indo para a cama uma da outra e ali rola alguma coisa, muitas das vezes as colegas ajudam, outras fazem disto um grande problema e é onde gera torturas porque dão os castigos.

Fico muito revoltada sou a favor do amor e da paz e do sexo consentido. Agora vou falar de mim sou M. J. reclusa deste sequestro estatal, tive uma relação com uma mulher reclusa, na época estava de castigo. 6 meses de castigo a viver numa cela sozinha de menos de dois metros, isto mesmo, 6 meses tudo isto porque denunciei algumas coisas erradas daqui para a provedora da justiça e nesta época eu e a S. nos gostámos muito, só que estávamos proibidas de ter contacto eu não aceitava ela também não começámos uma luta, discussões com guardas, comissário etc… e quase todos os dias nos levavam ao psiquiatra para nos darem medicação, a S. começou a ter uma depressão pelo afastamento e eu comecei a decair também ela era o meu apoio e pelo conselho da psiquiatra ao E.P. desceram a Sofia para o primeiro piso para uma cela ao lado da minha, a gente só podia estar no corredor, sentadas no chão porque não há bancos. Um dia sou chamada ao escritório com ela e a minha educadora que era a mesma dela, a Dra chama-nos e diz – “Olá sabe porque estou aqui? – E nós dissemos – “Não!”. E ela disse – “Tenho um alto de notícia da guarda F. que viu vocês na fila da medicação abraçadas e a S. com as mãos dentro da sua calça!.” Bom quando a mulher nos diz aquilo eu quase morri de vergonha! Parei, pensei e disse – “Dra. a guarda F. não é a mesma que eu denunciei? Não é a mesma que me trancou na cela com fome e que fiz queixa e que inclusive lhe comuniquei?.” Ela a educadora desconversava e eu digo – “Olha aqui você está a falar com quem? Sou mãe de filhos e jamais me prestaria a este papel, me respeite e nos respeite, nunca fizemos isto e fui perseguida pelo fato de tentar ter esta relação” -, e na verdade contando o lado bom tinha uma guarda que gostava muito de mim e dizia – M.J. hoje ficas à vontade” -, e nos deixava ficar na cela as duas durante as duas horas que dava que era a hora de jantar, isso seria um segredo nosso, e eu sentia que estava fazendo um crime, mas vendo por outro lado dava uma adrenalina e tornava o momento único, porque ali só era eu e ela e a gente falava de tudo, chorava, ria, planeava, naquele momento só ela me entendia não era sexo era só carinho afeto e um abraço caloroso, chorar um choro dividido de alguém que se entende que sabe o que se passa!

Voltando à Violência Sexual

A violência sexual é séria nos deixa cicatrizes profundas. Eu vejo este tipo de violação acontecer todos os dias, todas as horas. Agora volto a outra questão! Em 2020 até 2021 tentei visitas com um homem recluso que até então criei uma grande afinidade, trocámos cartas durante mais de 2 anos e decidimos nos conhecer, a lei diz que só é preciso 6 meses de correspondência e o certo é que até à data de hoje tudo o que fiz, pedido e ele também fez, foi negado mas a lei permite e o E.P. viola. Depois dizem que as pessoas são promiscuas. E dão castigos pesados simplesmente pelo toque que não temos, pelo sequestro estatal.

Triste mesmo fico pensando aqui às vezes comigo mesma, aprendemos a gostar de uma pessoa, somos humanos precisamos de toque, cheiro, carinho amor, intimidade, sexo e só porque estamos presas somos proibidas de o fazer! Mas o pior é pensar que se eu quiser ter sexo para ter vantagens aqui dentro do “Sistema” eu só preciso fazer sexo oral ou anal, ou qualquer tipo de sexo com um guarda que goste do meu corpo que me deseje, ou pior que me diga na minha cara que eu sou o fetiche dele, que deseja minha boca, ou até mesmo o que fazem e dizem para colegas minhas!

Aqui fica um pouco do meu relato puro e honesto e verdadeiro…

Espero um dia sair daqui e que isto não prejudique o meu psicológico porque a minha vida sexual não sei como vai estar depois de tantos traumas.

P.S.: Na minha humilde opinião a violação já começa pelo sistema.

Já ouvi aqui tantos relatos que um dia quero compartilhar com vocês.

Ainda não falei dos contactos dos guardas com as reclusas quando vão de precária, quero dizer os encontros que acontecem nas precárias! Um dia falamos sobre isto!

Aqui vai um grande beijo de luz sorte para todos que lerem esta carta.”


3 cartas de Dentro

Publicamos três cartas que nos chegam de diferentes prisões com denúncias que evidenciam a falência completa da assistência de saúde às pessoas encarceradas, a arbitrariedade e o racismo com que são tratadas as presas estrangeiras, as negociatas que se aproveitam da situação de vulnerabilidade dos presos e presas, e um sistema prisional que quotidianamente devora milhares de pessoas que sobrevivem em condições degradantes e sujeitas a todo o tipo de torturas.


Não estamos todas, faltam as presas!

8 de Março Dia Internacional das Mulheres

Não estamos todas, faltam as presas!

Somos um coletivo chamado Vozes de Dentro, constituído por pessoas presas e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas presas e das suas famílias.

Estamos aqui hoje por todas as mulheres, pessoas trans e todas aquelas que transgridem as normas de género e cuja luta se desenvolve dentro das prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais.

Nas prisões as pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica. Confinamento e quarentena na prisão significa ficar mais de 22h fechada na cela, acesso a uma chamada telefónica por dia o que comporta graves violações dos seus direitos humanos colocando as suas vidas em risco.

Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusas e reclusos e os Estabelecimentos Prisionais portugueses têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Encontra-se também entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação das cadeias é uma realidade.

Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial.

Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada, sem formação adequada, ou que têm pouco interesse nos cuidados das pessoas presas. Testemunhos de quem está dentro e de seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, antipsicóticos e anticonvulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional.

Grande parte dos estabelecimentos prisionais padece dos mesmos problemas: infraestruturas decadentes, alimentação degradante que promove a desnutrição e restrição de acesso a bens e produtos essenciais. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas.

Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo as pessoas presas para a invisibilidade, o abandono e marginalização sociais.

As mulheres com familiares na prisão estão também sujeitas à exclusão e violência, pois são elas que cuidam de quem está “dentro”, suportando na família e nas comunidades as consequências económicas e sociais do encarceramento. As crianças com pai e/ou mãe em reclusão foram também alvo de violação dos seus direitos fundamentais, impedidas de estabelecer contacto com as/os suas/seus cuidadores. Existem milhares de crianças com pai e/ou mãe na prisão e esta é uma realidade silenciada e invisível.

O objetivo deste grupo é visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro.

Todas as pessoas que queiram juntar-se ou dar o seu testemunho contra estes centros de extermínio serão bem vindas.

Não estamos todas, faltam as presas!


Prisão no Feminino – duas cartas de mulheres presas

 

Em Portugal, a percentagem de mulheres presas nunca ultrapassou os 10% da população total encarcerada. Contudo, nas últimas décadas, Portugal é dos países na Europa com as mais altas taxas de encarceramento feminino. Por serem em menor percentagem, mas não só, as mulheres nas prisões são relegadas para a invisibilidade e para o silenciamento, permanecendo obscurecidas as suas experiências de encarceramento, bem como as das dezenas de crianças (até aos 3 anos e, em casos especiais, até aos 5 anos) que habitam nas prisões junto das mães. As condições a que são sujeitas, desde a péssima alimentação; a falta de acesso a cuidados dignos de saúde, a produtos de higiene, a fraldas e a produtos essenciais para bebés e crianças; a sobrelotação; as celas frias e degradadas e, e tal como nos foi relatado desde uma prisão feminina no último mês de Novembro, a falta de água quente, são acrescidas de maior violência e abusos, em parte, devido aos estereótipos de género e raciais que legitimam a dupla/tripla punição exercida através de um maior controlo e repressão pela imposição de regras mais estritas, maior aplicação de sanções disciplinares, medicalização e violências sexuais e raciais. De referir que esta dupla/tripla punição (em função do «crime», do «género» e da «pertença étnico-racial») é também exercida pelos tribunais que tendencialmente condenam as mulheres a penas maiores e lhes aplicam menos medidas de flexibilização. Consideremos também os castigos a que são mais sujeitas dentro da prisão, que as impedem de ter acesso a mais saídas precárias e ou a sair a meio da pena, entre outros direitos que lhes são negados.
As mulheres presas são também mais relegadas ao abandono e ao esquecimento por parte das famílias e das organizações de apoio a pessoas presas, quer durante o encarceramento, quer no período pós-prisão, o que torna ainda mais difícil a reconstrução das suas vidas em liberdade. Muitas mulheres, mesmo presas, continuam a desempenhar o papel de cuidadoras e provedoras de recursos para as suas famílias, com todas as dificuldades e adversidades que a prisão provoca nas suas vidas, nas das suas famílias e das comunidades. Há um número significativo de crianças institucionalizadas devido ao encarceramento das mães, quando são estas as suas únicas cuidadoras.
Os processos de criminalização são, muitas vezes, expressão da continuidade da violência machista a que já eram sujeitas nas suas vidas e que é perpetuada dentro da prisão. Isto porque muitas mulheres presas resistiram nas suas vidas a vários tipos de abuso e de violência de género, sendo comum que os seus crimes estejam diretamente relacionados com a obtenção de recursos para a sobrevivência, como é exemplo o tráfico de droga.
Há um número muito significativo de mulheres racializadas e migrantes nas prisões portuguesas. O Direito, a Justiça e a Prisão são a expressão direta da institucionalização do patriarcado colonial que, há séculos, castiga mais duramente as mulheres, as crianças e outras dissidentes.

Publicamos duas cartas de mulheres presas que denunciam a falta de condições e os abusos de poder a que se encontram sujeitas quotidianamente. Estas cartas foram transcritas tal como nos chegaram.

https://www.jornalmapa.pt/2022/02/13/a-prisao-no-feminino/Jornal Mapa