Contra a Tortura Policial

Um jovem brasileiro de 18 anos estava no dia 17 de novembro de manhã, às 9h30, no Martim Moniz. Esperava uma entrevista de emprego quando foi abordado por polícias não identificados, tendo sido brutalmente espancado e sem qualquer motivo criminal detido e levado para a esquadra de Moscavide. O jovem em seguida foi levado ao hospital e novamente encarcerado na esquadra.

Mais uma pessoa negra, cigana, migrante, ou pobre agredida por polícias.
Espancada e insultada como muitas nas ruas, nas esquadras, nas prisões do estado português.

Mesmo sem perturbar a chamada ordem pública, nós, nossxs amigues, companheires, filhas, filhos, podem ser sistematicamente abordadas por polícias não identificados, brutalmente espancadas e detidas de forma arbitrária.

Outro espancamento e outra detenção que é apenas um exercício de poder, violento, racista, xenófobo, patriarcal e, se queremos usar as palavras do “sistema de justiça”: ilegal.
Praticado com a conivência do Estado e das demais instituições.

Mais uma mãe migrante, negra, cigana ou pobre, enganada e a quem é recusada informação sobre o estado do seu filho detido e obrigada a procurá-lo durante horas entre esquadras e hospitais.

Mais uma mãe que encontra o seu filho com a cara pisada, olhos esmurrados, peito com escoriações e quase sem conseguir andar devido aos espancamentos que lhe infligiram nas pernas e no corpo todo.

E finalmente, médicos coniventes com a tortura aplicada pela polícia, que não escrevem um relatório digno, nem explicam à mãe em que condição se encontra o seu filho espancado e novamente detido.

Tudo isto sucede no mesmo dia em que é divulgada mais uma investigação que denuncia a infiltração da extrema-direita dentro das forças policiais portuguesas.

 

NÃO FICAMOS CALADES PERANTE TANTA VIOLÊNCIA!
QUEBREMOS O ISOLAMENTO DOS QUE SOFREM A VIOLÊNCIA POLICIAL!

CONTRA TODAS AS FORÇAS ARMADAS,

CONTRA A VIOLÊNCIA DO ESTADO,

PELAS PESSOAS PRESAS EM LUTA!

CONVOCAMOS AS PESSOAS AFETADAS, SOLIDÁRIAS E COLETIVOS, A PARTICIPAREM NUMA CONCENTRAÇÃO NO MARTIM MONIZ, NO DIA 3 DE DEZEMBRO ÀS 17H.
MOSTRAMOS A NOSSA SOLIDARIEDADE! ESTAMOS JUNTES!

NÃO ESQUECEMOS, NEM PERDOAMOS!


Carta de R. F. presa em Portugal para Angela Davis

6-11-22

Para: Angela Davis

Refletir, Reagir, Recorrer, Reclamar, Resistir.

Cara Angela meu nome é Resistência e a regra será sempre a liberdade.

Aqui na prisão de X sou um número. Mas na verdade sou R. F.. Sou mãe de 2 filhos que estão numa instituição. Sou imigrante brasileira condenada a mais de 5 anos de prisão, presa à convicção por cumplicidade por tráfico de drogas, nunca tinha sido presa antes na vida, e nunca pensei nesta hipótese. Entrei neste inferno cavernoso do Sequestro Estatal em 20XX meu mundo caiu, desde então tenho uma visão diferente de tudo aquilo que o mundo e a sociedade aí fora fala. Cara Angela aqui ao entrar me deparo com drogas, idosos, jovens, mães gente de toda raça, mas tem um porém, o Racismo, Xenofobia, Homofobia, agressões de guardas, tanto físico, como psicológico são diários, as torturas frequentes, isolamento que nem a pessoa sabe porque foi isolada, eu já passei por tudo, isolamento de 6 meses, sem saber o porquê, depois mais 4 meses, já fui ao castigo do leve ao pior de 3 dias, 4 dias, e 8 dias nua do jeito que vim ao mundo. Em cima de uma pedra, só por reivindicar meus direitos. Cara Angela eu 52 aqui nunca deixei de ser livre de pensamento esta liberdade os juízes o Sequestro estatal nunca me tirou e só por isso sou uma das reclusas mais castigadas pelo sistema prisional e toda sua cúpula do poder que gere esta máquina do ódio, da falta de respeito pela vida humana deixando pessoas morrerem, se matando pela falta de cuidado, falta de alimentação e entre outras coisas. Cara Angela, aqui neste Estabelecimento Prisional só temos direito a 3 coisas, Água, luz e muita medicação de resto não temos mais nada. Somos mulheres e somos ignoradas pelo Comissário, a Diretora, não falam connosco. Educadoras não fazem nada. Técnicas do IRS não fazem nada, no fim de tudo somos os números que geram milhões ao estado e à grande máfia que comandam as prisões. Cara Angela aqui em X só temos 2 horas de ar puro, que é a hora do recreio. Pela manhã e tarde. Aqui tem um mini mercadinho, mas só o 3 % de toda a população presa trabalha, para ganhar 30 euros – 40 euros. Cara Angela e o resto? Quem tem família que pode ajudar ainda se safa, e a outra metade? Considero isto uma guerra fria sem bombas, guerra de fome, do frio, da doença mental, de quem entrou aqui sem medicações e hoje são dependentes delas para viver, quase todos os dias vejo tentativas de suicídio. Nestes anos já vi tantas vidas irem, vidas que já estavam assinaladas que iam fazer o que o sistema fez, nada. A sociedade aí fora não sabe o que acontece dentro dos muros de betão, na verdade Angela escondem, moqueiam, mentem, aqui passamos fome, ficamos doentes, nos tiram tudo quando vamos presas, filhos, liberdade e querem nos manter caladas, aqui o preto, o pobre, o cigano, o estrangeiro é maltratado, ignorado. Cara Angela vivemos numa cela pouco mais de 5 metros quadrados 4 mulheres juntas sem espaço sem privacidade totalmente amontoadas, aqui vejo dor, raiva, ódio, provocado pela máquina do desemprego que fabrica criminoso, aqui como Brasileira falo português brasileiro mas constantemente sou tratada xenofobicamente pelo meu português pelas guardas prisionais. Já ouvi de tudo, tudo mesmo. Cara Angela os juízes têm o dever de ter a faculdade de julgar segundo os ditames da sua consciência, que se presume inflexível e reta conforme o critério da sua razão, que se supõe lúcida e esclarecida, e as diretivas da sua inteligência, que mercê de prévios estudos se reputa culta e abarrotada de ciência jurídica. Podem estes postulados falhar na prática? Mas os erros da justiça esgotados todos os recursos, devem ser tidos por mazelas incuráveis, que os litigantes vencidos hão de suportar como suportariam o câncer ou um terramoto.

Cara Angela quero sair daqui com um intuito formalizado:

Esvaziar as prisões!

Dialogando nas ruas contar minha história dizer a verdade sobre o buraco cavernoso do Sequestro Estatal realidade tão pouco falada e desconhecida pela sociedade, por um mundo melhor, pela inclusão e não exclusão, pela força da segunda oportunidade. Pelas mães que não vêm seus filhos a crescerem pelo vazio, a saudade, criado pelo muro de betão.

Cara Angela o que esperamos de um mundo onde já nascemos pobres, pretos, indígenas, ciganos, no mundo da guerra, da fome da máquina do desemprego, com a força do capitalismo, onde o rico cada vez fica mais rico, e o pobre cada vez fica mais pobre, aí só se responde às perguntas. Resposta: Máquina e fábrica do crime. Cara Angela há uma questão quem nos acusa e nos condena nunca passaram fome, não são de família de pobre, estudaram toda a vida em escolas particulares, tiveram mesada, desconhecem todo o lado aqui mencionado, e julgam com uma falta de sensibilidade, compaixão, muitas muitas das vezes, ou a maioria das vezes ao condenar uma mãe pelo crime à convicção por cumplicidade como o meu caso estes juízes condenaram eu e meus 2 filhos. Na época meus filhos uma menina de 4 anos e um menino de 7, e eu vim para o Sequestro Estatal, e meus filhos até hoje vivem numa Instituição, fomos todos presos e continuamos presos até quando não sei, hoje minha filha tem 7 anos, meu filho 10 anos, estamos todos dilacerados pela dor desta prisão, que me tira até o direito de ser mãe, e dos meus filhos terem a mãe, o Sistema acha que já tenho muitos direitos, 1h [de visita com eles por semana]. Às vezes choro quando não consigo falar ao telefone com eles e já ouvi de muitos guardas – devias ter pensado nos teus filhos antes.

Por que razão Portugal é o campeão dos presos preventivos? Por mera “revanche” por capricho? Por prazer pessoal de quem prende? Para esconder casos em que não prendem ninguém.

Há aqui mulheres que esperam 10, 11 meses pela Acusação ás vezes são notificadas no ultimo dia dos 12 meses de prisão preventiva, o que hão de fazer? É injusto que o caso demore 6 meses ou um ano para investigar, prendem por prazer pessoal, por “vendetta” e para vexame prendem com facilidade para alimentar o “Sistema” e como uma oficina de bate-chapa quanto mais acidentes ocorrem e mais chapa batida houver melhor! Mais oficina terá. O mesmo sucede com a agência funerária o dono aborrece-se de morte quando não há clientes para colocar no jardim das tabuletas, a prisão envolve um “negócio” que o Estado suporta, educadores, guardas, enfermeiros, médicos fornecedores das prisões etc.. Além dos advogados que muitas vezes sobrevivem só das defesas oficiosas, tribunais etc… Juízes que prendem e julgam o ser humano mantém a dignidade humana fora e dentro dos muros da cárcere aquela onde nós, eu 52 e outras 3 companheiras numa cela de 5 metros quadrados, é desumano. Será que o senhor juiz gostaria de se vê, ou vê um filho dele nesta situação, afinal, são eles que julgam.

Cara Angela os Juízes Portugueses estão violando a lei: Os Juízes podem diminuir as prisões preventivas mas não querem.

O artigo 6° da Convenção Europeia dos Direitos dos homens, prescreve que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada num prazo razoável”.

O artigo 9° do Pacto Internacional dos Direitos civis e políticos “Toda pessoa detida será informada no mais breve prazo razoável a ser posta em liberdade. A prisão preventiva não deve constituir regra geral “em 15-16 Outubro 1987 n°30- pág. 180 nas jornadas De direito na Relação de Enoxa: Tribuna da Justiça n° 16-04-1986 pág. 5 (Senhor Juiz Desembargador Ricardo da Velha). Esvaziar as prisões.

Cara Angela, “A vida é como um hospital onde quase tudo faz falta, a cura é difícil. Morrer é ter alta” Fernando Pessoa.

Cara Angela como podemos mudar tudo isto? Eu não sou 52, e sim R. F.

Denunciando ao máximo, o buraco cavernoso, torturador, alguém tem que mostrar a cara e eu quero mostrar a minha, eu tenho gana de dizer o que vivi e o que vivo, até aos dias atuais.

Cara Angela vivo nestes anos na cela de 5 m2 fria húmida vegetando neste mundo de ingratidão, sofrimento, tristeza e angústia dor saudade, luto pelo filho que perdi este ano, preocupação, tortura, noites sem dormir, dor da saudade dos pequenos que estão nas mãos de estranhos”. O Estado Português “sequestra” os descamisados bagatelas quase sempre menores ou circunstâncias… enquanto os “barões da alta finança” pululam nas piscinas e praias de Cascais, Algarve e “resorts” escondidos do zé-povinho.

Cara Angela aqui sofremos de Abuso de Autoridade relatórios montados, participações que não existe, o sistema tá aqui pra foder a vida do preso, não há a tão sonhada ressocialização e a tal propaganda enganosa do Sequestro Estatal. A fábrica e a máquina do desemprego da fome dá tudo que o sistema cavernoso precisa, encher prisões e eles ganharem milhões. Mantêm as pessoas medicadas para não reagirem, ficarem numa cama dormindo todo o dia, a comida vem sempre inconsumível sem proteína sem verdurasarroz batata e massa carne podre, peixe podre sobrevivemos de pão água, e da ajuda de Deus, comer aqui é dia de festa quando vem a comida consumível.

Estamos num estabelecimento prisional onde predomina o Racismo, Xenofobia, Misoginia, Sexismo, homofobia, nepotismo, falta de cuidados médicos, total desrespeito pela vida humana, o desprezo pelo próximo chega corroer na alma de quem tem humanidade.

Estou dilacerada pelo sistema cavernoso mas sou Resistência e não esqueço dos 5 “R” Refletir, Reagir, Recorrer, Reclamar, Resistir e a regra é a liberdade, é onde me apego na esperança de não desistir de mim própria e daquelas que vão ficando ou que vão entrar, peguei esta luta pra mim, porque sou mãe, mulher, miscisgenada, uma mistura de Índio do Amazonas, preto, branco, sou a famosa Mulher Parda, mas me considero Índia e Negra com orgulho e paixão. Patriota pela história do meu pais que foi tão escravizado, saqueado desde 1500 Brasil 500 anos tudo igual.

A falta de estrutura familiar também trás as pessoas ao crime violência, todos sabemos que o seio Familiar é importante para o futuro de um ser humano, o Estado o Sistema os Juízes na hora de penalizar esquecem isso!

Não me sinto criminosa e nunca me sentirei jamais, sou filha de uma mãe solteira filha de um promissor vagabundo filha bastarda filha que nunca conheci o pai, sou o reflexo daquilo que o Estado e o Sistema exclui, mas prós olhos da sociedade sou mais uma bandida criminosa, não matei, não roubei, não trafiquei, fui presa à convicção por cumplicidade e trabalhei descontando pro Estado e nada contou, só queriam era mesmo era me deixar aqui como gado. Só recebi acusação 11 meses depois, quando comecei a me defender, colocaram meu processo em segredo de Justiça, ou seja, não houve investigação, porque eu dei o dinheiro pra própria policia, meu caso envolveu Embaixada e como sou a pequena paguei pelo grande mesmo com testemunhos.

Cara Angela quero chamar atenção para um fato que não é falado, todas as brasileiras correio de drogas que vem do Brasil para Portugal trazem um tanto de droga exemplo trazem 10kg e são apresentados 4Kg todas passam por isso, a policia é a máquina do crime organizado, e elas querem cooperar para com a policia entregar a tal mala e a própria não deixa já as trás direto ao buraco cavernoso do Sequestro Estatal.

Quando fui presa, fui brutalmente espancada pela polícia, cheguei na prisão nunca me levaram ao hospital mas se tava presa seria a prisão que devia me levar não ?
Não cometi tal crime que fui acusada. Nunca houve prova, só a prova constituída em sede de julgamento a palavra dos policiais, que segundo os juízes são providas de credibilidade e a minha não pela minha condição social.

Angela tenho tanta sede de justiça pelo que me aconteceu, principalmente pelo que vivemos todas aqui dentro deste inferno. Já tive um tempo que quase tirei minha própria vida

Na época tive ajuda das brasileiras, que me ajudaram para sair do buraco não deixando eu tomar mais medicações, pouco-a-pouco eu fui tomando a consciência de volta. O sistema me drogava 24h por dia!

Cara Angela, aqui tem tantos castigos, aliás digo “torturas” guardas que não gostam de você ou quer subir de posto e vive te insultando para você reagir e te dar participação e daí você vai ao castigo.

Esta prisão tem 4 alas, esta ala X tem muitas mulheres e só 6 cabines telefónicas, todas nós temos direito a 3 ligações de 5 minutos cada ou seja se ligo para os meus filhos tenho de falar em 5 minutos com os 3, é um abuso, enquanto em outras prisões as ligações são de 20 minutos cada ligação, a prisão viola todos os direitos, não temos direito de usar roupas que mostre o ombro, vestido e saia só até o joelho, aqui tem uma ditadura é somente nesta prisão.

As ofensas por parte das guardas são constantes os abusos. Fico tão indignada com isso que às vezes penso se não tivesse meus filhos eu já tinha espancado uma delas juro por Deus, é complicado viver isto ao vivo e a cores.

52 aguarda numa cela fria húmida de 5m2 no E.P. X pela “boas novas” que a juíza possa lhe comunicar, não é fácil obter o “Bem” (Liberdade) pois o usual é aplicar o “Mal” (prisão).

A vida continua hoje com um pé na prisão, amanhã na rua, num futuro que se espera longínquo, no Tribunal Divino, algures entre Saturno, Urano e Nepheles ( Asteroide no 431, descoberto por Auguste Charlois em 18-12-1897) onde todos seremos julgados pelos julgamentos que fizemos ao longo da nossa mísera existência terrena “Por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado” São Mateus 12,37.

Cara Angela aqui deixo uma mensagem aos meus amados filhos.

Meus queridos filhos.

Daqui a nada vamos ter tudo, vamos ser luz no silêncio escuro. Esquecer os muros que nos separam. As sombras espessas dos dias incertos. Vamos ser livres pela voz.

Trocar promessas de dias melhores. Vamos respirar a liberdade que nos espera.

Virar as costas aos medos que nos separaram e nos prenderam. Agora podemos estar presos, mas ninguém vai preso por ter roubado a esperança de ser livre.

Querida Angela Davis

Obrigado para compartilhar sua história comigo. Li o livro e adorei, sua luta é nossa luta conte comigo.

Eu Mãe, filha, mulher e reclusa.

R. F.


A Greve dos Carrascos


Mais um ano que chega ao fim e regressa a greve de guardas prisionais nas várias prisões do país. Estas greves acontecem anualmente neste período há mais de uma década e demonstram a desumanização impostas às pessoas presas.

A gestão securitaria e repressiva da prisão está totalmente dependente da presença de guardas para o funcionamento do já restrito quotidiano prisional com severas limitações à circulação das pessoas especialmente das presas. Por isto a greve dos guardas implica mais restrições, mais isolamento dentro e no exterior pela limitação de contato com familiares e amigos, mais violências físicas e psicológicas para as pessoas presas: fechamento nas celas por maiores períodos que podem chegar às 22h; a suspensão parcial ou total de atividades laborais, educativas e culturais (para quem tem acesso nas prisões onde existem); a suspensão total ou parcial das visitas, da recepção de encomendas e da recepção e envio de correspondência; acesso mais limitado à cantina para a compra de produtos essenciais (escassos e de baixa qualidade, sobretudo os alimentares, e com preços mais altos que no exterior); maior limitação de acesso ao uso das cabines telefónicas; ainda maior demora no atendimento das técnicas reeducadoras fundamentais para os diversos procedimentos: pedidos de precária, de visitas, etc; limitações no transporte para audiências, idas ao hospital; maior negligência médica, ao mesmo tempo, que se agravam as condições de vida desumanas nas prisões com graves efeitos na saúde física e psicológica das pessoas presas.

Esta suposta reivindicação cruel de direitos passa pela tortura das pessoas presas. Sabemos bem que a lógica que impera entre o corpo de guardas prisionais é a ameaça indireta de revoltas dentro das prisões através do sacrifício de presos. Além de que é já comum no quotidiano prisional a provocação e o uso de conflitos e da violência entre e com as pessoas presas, por parte de guardas prisionais no exercício da “segurança”.

As prisões sao as trincheiras da guerra social constantemente silenciada e manipulada onde pessoas são sacrificadas para a manutenção da ordem imperial heteropatriarcal e racista.


Não há prisões num paraíso queer

As prisões não são nem nunca serão espaços livres de violência em todas as suas formas. Por mais leis que tentem garantir direitos às pessoas presas estes são sempre instrumentalizados e subvertidos pela lógica carcerária do castigo heteropatriarcal e racista.

Tal como nos demonstra a recusa das guardas em Tires para cumprir com o desnudamento e revista corporal a uma mulher trans. Além destas medidas constituírem uma das formas de violência que se vive nas prisões, a recusa por parte das guardas poderia implicar a aplicação desta medida por parte de homens guardas e/ou o encarceramento desta mulher no hospital prisional ou em cela disciplinar, como tem sido prática no sistema prisional português relativamente às pessoas trans.

E ainda acresce a esta sucessão de violências a forma discriminatória e punitivista como os media noticiaram esta situação ao revelarem uma foto da mulher trans presa preventivamente e o crime pelo qual está acusada. O que constitui uma violação dos seus direitos ao sigilo sobre a acusação criminal e proteção da identidade e coloca em risco a sua segurança dentro e fora da prisão.


Carta de mulher presa – Agosto de 2022

08-2022

L. nºx, EP X

Quero pedir desculpa se esta minha carta se encontra com erros ortográficos, uma vez que fiz os estudos em Espanha o que me referencia por não dominar a ortografia portuguesa 100%.

Tenho 31 anos de idade, vou fazer 32 anos, sou Portuguesa mas com 5 anos de idade fui viver para Espanha onde permaneci até aos meus 14 anos de idade. Até esta idade fui sempre educada pela minha mãe após a separação dos meus pais. Minha mãe sempre deu uma educação muito boa para mim. Frequentei escolas privadas onde concluí o 4º de E.S.O que aqui equivale ao 9ºano. Fazia muito desporto, competições e ginástica rítmica e depois ginástica acrobática artística, entre outras coisas.

Aos meus 11 anos de idade tive um acidente de aviação (um carro me atropelou) e estive 15 dias em coma, 24 pontos na cabeça (tiveram de rapar meu cabelo na altura muito comprido) mais 17 pontos no cotovelo esquerdo e mais 17 no joelho direito, o que me deixou de cadeira de rodas e depois andei de muletas até conseguir andar sozinha. Infelizmente fui privada de exercer o que tanto gostava que era a ginástica artística e essa situação toda tornou-me uma menina rebelde por achar que toda a gente tinha pena de mim, pois eu era muito boa no que fazia, tanto na ginástica como nas aulas.

Comecei a vacilar, a fumar cigarro, ter notas menos boas e a fugir de casa à noite para sair com os “amigos”.

Eu sabia que o meu pai que já faleceu, na altura era alcoólotra e que tinha tido mais 3 filhos e quando eu atingi os 14 anos entre as escapadelas que fazia apareci em coma alcoólico. Lembro de minha mãe me perguntar porque fiz isso e eu responder. Fiz para sentir o que o meu pai sinta que até se esquece de me ligar.

Após mais uns dias tivemos uma grande discussão e pedi para me trazerem para Portugal, e assim a minha mãe fez com muito custo.

Cheguei a Portugal, voltei para a casa onde tinha nascido com meus irmãos mais novos.

A princípio foi tudo lindo, eu não ia à escola, meu pai não se importava se eu bebesse ou fumasse, mas com o tempo começaram as desavenças com a minha madrasta. Pois na altura tinha ciúmes de mim porque eu passava mais tempo com o meu pai e chegou a insultar a minha mãe e aí foi a primeira vez que andei à porrada com alguém.

Para ela não me mandar para um colégio disse ao meu pai que ia sair de casa. E assim fiz, 6 meses em Portugal, não conhecia muita gente e só conhecia a terra onde eu nasci.

Tive de me virar, tinha dias que dormia em casa de amigos até um dia me ter perdido sem saber onde estava. Lembro-me como ontem, passei 3 dias sem comer nem tomar banho, até que um rapaz fez conversa comigo e eu desesperada, contei minha situação, ele disse que sabia de alguém que me podia ajudar e levou-me até essa pessoa, fui a casa dele onde tinha inúmeras mulheres a morar e me perguntavam se eu era virgem ao qual eu respondi que sim.

Depois de eu ter tomado banho, trocado de roupa e ter comido ele fez uma festa na casa onde havia muito álcool. Mas até hoje eu não sei o que tinha no copo porque apaguei e acordei numa cama com as manchas de sangue e a minha vagina a doer. Fui à casa de banho e quando urinei doía mais…

Eu não queria ficar lá, as mulheres se riam e me perguntavam se tinha gostado, eu comecei a chorar. Naquela casa tinha uma empregada que tinha acabado de entrar em casa, e assim que vi ela a entrar eu passei por cima dela e corri a descer as escadas do prédio.

Mas uma vez, não sabia onde estava, andei até chegar ao metro e fui até o X para ir ter com o meu pai. Cheguei lá e pedi dinheiro ao meu pai contendo as lágrimas, mas com medo de ir para um colégio, calei-me.

A partir daí comecei a frequentar, o Bairro Alto, onde pude começar a ganhar dinheiro vendendo droga, depois foi Chelas onde comecei a vender só para mim até ter conhecido o P. filho de um narcotraficante que foi meu companheiro até à sua morte.

Ano xxxx (rusga na casa onde vivia com meu namorado), a polícia entrou com os cães, as ruas cheias de carros patrulhas, revistaram, partiram e acharam droga, duas balanças automáticas, uma caçadeira de canos serrados, dinheiro e um fio de ouro com uma lágrima…

Fui ao juiz e fiquei com termo de identidade e residência, ainda com 19 anos entrei pela primeira vez na cadeia de X para cumprir uma pena de 9 anos e 9 meses.

Os dois primeiros anos levava a cadeia a encher a cabeça todos os dias com ganza, até por vontade própria decidir mudar o rumo da minha vida e inscrevi-me no curso de cozinha com equivalência ao 9ºano português. Após ter concluído o curso fui trabalhar para a cozinha. A minha primeira precária foi me dada aos dois terços da pena, após ter regressado fui à juíza e deu-me um corte de 1 ano. Quando fui avaliada pela juíza eu tinha um relatório bom onde sempre trabalhei conciliando com a escola que frequentei até meio do 11ºano.

Depois pedi para me mudarem de trabalho para a creche por ser um trabalho mais calmo e eu precisava por faltar pouco para sair.

Nesses anos todos, tive sempre visitas de familiares sogro (pai do meu ex-namorado), tio, mãe, tia, primos e amigos e cunhados.

Havia muita coisa cá a acontecer, pessoas novas a morrer por excesso de medicação, pessoas consumidoras que continuavam a consumir por não ter reabilitação, muita gente que não tinha nada e que nós reclusas é que ajudávamos elas, reclusas não aptas psicologicamente a suicidarem-se, essa é das minhas piores lembranças. Lembro de uma rapariga de 19 anos que se suicidou e foi levada arrastada pelo chão num saco preto.

Vi pessoas a tentarem reivindicar os seus direitos e não deixavam e davam porrada nelas algemadas. Desnudamentos após a visita onde me obrigavam a apoiar uma perna na cadeira e a fazer agachamentos e como eu estava com tampão pediram para tirar e voltar a fazer.

Sei de uma ex-colega minha que fizeram desnudamento com luvas para enfiar os dedos no anus e na vagina enquanto ela tossia.

Sei de casos de mulheres que engravidaram de chefes de pavilhão e foram obrigadas a abortar.

Eu própria pedi para sair da cozinha porque o cozinheiro que lá trabalhava me quis obrigar a ter relações sexuais com ele. Após ter acontecido isto, informei o gerente e as guardas e a única coisa que fizeram foi pedir-lhe para se manter distante de mim, mas como fez comigo, fez com muitas outras.

Quando fui trabalhar para a creche em xxxx, fiquei chocada porque não tinha água quente para limpar os meninos. E quando eles se portavam de forma “errada” eram ameaçados a tomar banho de água fria ou obrigados a entrar num quarto completamente escuro.

Eu também tive que fazer um aborto após ter engravidado numa precária, e eu queria aquele filho ou filha, mas se tivesse seria obrigada a cumprir pena até ao fim e tiravam-me as precárias.

Enfim a batalha acabou em xxxx, quando me deram liberdade condicional.

Fui viver com a minha tia e os meus primos e rapidamente arranjei trabalho num estabelecimento de restauração, passado um tempo aluguei um quarto e fechei o contrato para trabalhar como doméstica, foi aí que comecei a namorar com um rapaz que hoje em dia é um grande amigo meu.

Um dia a passearmos fomos à antiga casa onde morava. Por curiosidade bati à porta e quando abriram vi o irmão que eu deixei pequenino já feito um homem e muito lindo, falámos um pouco mas vi que ele tinha feito direta então dei-lhe o meu número e fui embora. No dia a seguir liga-me a minha irmã e marcámos um encontro, foi tão bom…ela já era mãe e eu tia!! Ainda estive também com o mais novo, e com todos diversas vezes.

A minha irmã trabalhava no xxx e disse-me que precisavam de copeiras e fui à entrevista e fiquei. Foi um bom trabalho dentro dos possíveis, estava perto da minha irmã. Mas cometi um grande erro, eu estava chateada com o meu namorado e num dia de folga envolvi-me com quem posteriormente viria a ser o meu companheiro, não usei camisinha e ele não me disse e fiquei infetada (HIV). A partir daí não consegui levar uma vida resolvida para a frente. Com este episódio, demiti-me do respetivo emprego, afastei-me da família, não tendo coragem de informá-los do sucedido, dado que me levou a consumir e a ficar dependente de estupefacientes e ter cometido mais um crime e fiquei com uma depressão agravada.

Como referi antes, o apoio familiar esteve presente e foi um bem essencial para a minha reinserção, mas devido aos anos anos todos que estive detida (7 anos e meio) senti-me completamente perdida e sem reconhecer a sociedade atual.

Não foi nada do que aconteceu após a minha libertação que acontecesse. Pois tinha planos, muitos planos e falharam-me as ferramentas. Sempre tive desejo de poder ajudar e dar a voz a pessoas que se encontram detidas, por eu ter passado pelo mesmo e sabendo que nós não temos voz.

Depois de ter passado toda a fase de depressão e consumos fiquei grávida. Procurei ajuda em vários centros mas foi em vão derivado à forte adição aos consumos, principalmente do meu companheiro.

Fui para B e depois para C para poder estar junto ao meu companheiro. O centro onde estávamos era só para dormir, pois de dia eras obrigado a sair de lá e fazer por ti. Claro que este tipo de programa não impediu que parasse de consumir, mas sempre fiz a medicação para a minha infeção (HIV) pois se não o bebé corria o risco de nascer infetado.

Entretanto fui a tribunal por ter sido apanhada com material roubado, e julgaram-me a uma pena de 1 ano e 2 meses por receptação, mas o grande motivo de ter sido condenada a uma pena efetiva, foi por estar em liberdade condicional. A advogada recorreu da pena mas o tribunal não reduziu a medida de caução.

Fiquei foragida até nascer o meu filho, pela graça de Deus correu tudo bem e aí eu percebi quando olhei para ele que tinha de mudar a minha vida para ele não passar pelo que eu passei.

Estava tão desesperada que andava à procura de documentos falsos para sair do país. Mas com o meu bebé de 3 meses de idade, eu fui identificada pela polícia já com um mandato de captura.

Vim para a cadeia a cumprir uma pena efetiva, no dia que por livre e espontânea vontade comecei a fazer desmame de heroina e metadona a frio. O que me levou a fazê-lo foi o meu filho que ficou com o meu companheiro que posteriormente foi entregue à minha família. Aqui vos deixo uma música com a qual me identifico.

Allen Hallowen

Esta é a história de um velho “gi”

you know?

No meu bairro, no teu bairro ou num bairro por aí

De Odivelas até Paris, e nós K (criminal)

Nigga me teu um fato e sapato

para falar com o juiz

Pagaram o advogado

mas caro do País.

O juiz deu-lhe um saco de rebuçados envenenados a cada “gi”

eu comi 10 rebuçados e um dia eu saí

velho de mais para voltar à street

cansado e sem dinheiro para a minha raiz

o tempo que me resta vou viver em “peace”

tirar os meus putos da “police”

às vezes eu digo aos miúdos aquilo tudo que eu vi e sofri

mas ninguém presta a atenção, ninguém ouve irmão,

se tu sofreste eles sofreram muito mais “You know”

ontem um amigo me disse que viu meu Benjamim

fumando andando na street, odiado pelos “gis”.

Obrigado amigo! Bons olhos virão meu filho

Jeová não deixes que o meu menino siga o nosso caminho.

Putos crescem na ilusão que ao ser bandidos

grão a grão os processos vão enchendo o livro

e só percebem quantos são quando são detidos

os pombos a voar para ti como se fosses milho.

Eu sei meu filho, eu sei o que tu queres fazer

aquilo que tu queres fazer é aquilo que estou a tentar esquecer

banhada estás a planear já muitas tentaram dar

mas nada te faz parar, se calhar pode resultar.

Quem não arrisca não petisca

Io! É verdade

Mas não há maior petisco do que a liberdade

Hoje envio estas folhas com parte da minha história e se assim o desejarem eu continuarei a minha história.

Só quero que saibam que eu nesta minha 2ª reclusão estou de mãos e pés atados. Não tenho visitas, a pouca roupa que tenho, alguma é dada pela cadeia e outras por colegas, não vejo o meu filho. Não tenho uma casa fixa para ficar e preciso muito desse suporte pois tenho os meus objetivos traçados. Construí um plano e acima de tudo tenho uma mentalidade vencedora.

Eu acredito que com processo extraordinário, consigo atingir resultados extraordinários, deixando para trás o trauma destes anos de reclusão.

Quero encontrar a melhor versão de mim num método de alta performance que me vai permitir na área que eu escolher (sociologia-política).

Todos nós temos um grande potencial por explorar. Tenho um grande sonho dentro da área que quero seguir.

Tracei o meu objetivo para investir 100% na aprendizagem e no conhecimento para poder ser excelente.

Por aqui me despeço até um dia próximo espero eu.


Carta de uma mulher presa em Portugal

Agosto, 2022

Assunto: Abuso de autoridade, homofobia e negligência no trabalho

Eu venho por este meio comunicar que no dia xx/xx/2022 às 17:33, pedi à chefe de turno para fazer uma ligação para minha mãe no Brasil junto à minha namorada no hall do 1° piso no telefone das escadas e ela permitiu, então tivemos de aguardar 2 reclusas que estavam à frente para ligar, e assim que chegou à nossa vez liguei para minha mãe e ela ao atender, logo já aparece a dona H. ao pé do telefone a gritar sem nenhum pingo de educação a mandar-nos para nosso piso impedindo-nos de fazer a ligação, sendo que a minha mãe apenas queria falar com a sua nora.

Fiquei enervada mas fui para a meu piso calada, mas também muito chateada, pois se eu não poderia fazer a ligação porquê que ela havia permitiu? Pura negligência de trabalho. E justamente na hora em que minha mãe atende o telefone, a dona H. percebe-se, e começa a dar shows, berros e a abusar da sua autoridade, pois ali não houve se quer um pingo de respeito e capacidade para exercer o seu cargo, e cá já há muitas reclusas farta dela. A minha família não tem nada a ver com o stress de trabalho de guarda, e ATENÇÃO reclusa sou eu, não minha mãe, que com toda a gritaria que ela fez acabou por deixar minha mãe preocupada e aflita sem saber o que se passava pois tive de desligar o telefone rapidamente.

Em seguida quando eu já estava no meu piso, a dona H. com uma atitude infantil e precária me mandou bocas  e à minha namorada e ela permaneceu calada para não haver conflitos, depois disse também que se ela era minha mulher que eu pegasse nas coisas dela e a levasse daqui, mas como? Se estamos detidas. Já estava muito enervada, fui para a minha cela e depois voltei para retornar a ligação para minha mãe, e estavam muitas guardas no gradão inclusivé o comissário a ouvir reclamações de outra reclusa, e assim aproveitei para expor e falar o que estava a sentir, que toda a situação que eu havia acabado de passar era abuso de autoridade e um familiar nosso não tem nada a ver, porém com toda a situação fiquei muito exaltada e com isso mandaram-me ao gabinete, junto a patrulha de guardas a me acompanhar, onde fecharam a porta, e em seguido o chefe P. empurra-me e pega-me pelo braço com muita força, e eu disse: Agora vais bater em mulher? Covarde, eu ainda não esquecei do ato de xenofobia que fizeste comigo no caminho da clínica, experimente tocar-me um dedo que lhe meto um processo, “Claro pois ele outro dia foi super machista, arrogante e xenófobo em uma conversa a caminho para a clínica onde ele corrigia a minha gramática Brasileira sendo que eu fiz ensino superior e a gramática Portuguesa é complemente diferente da nossa Brasileira, nota-se ao conjugar verbos, ou seja nenhuma e nem a outra errada, Portugal colonizou o Brasil, mas lá já havia índios a morar quando chegaram. Estou exausta de ser tratada até pela enfermeira que também já fiz queixa por ser xenófoba com nós Brasileiros, cá dentro há muitas injustiças, xenofobia, abuso de autoridade, negligência de trabalho e homofobia que é CRIME!

O comissário atento ao conflito que estava acontecer, levou-me para outra parte de escritório, onde foi muito educado, me ouviu, falou e me acalmou, pois nesse momento mostrou-se um homem humano, com total capacidade e experiência de trabalho cujo o cargo que tem, e acabou toda a confusão.


ENTRARAM VIVOS E SAÍRAM MORTOS! QUEREMOS JUSTIÇA PARA DANIEL, DANIJOY, MIGUEL E TODAS AS VÍTIMAS DO ESTADO PORTUGUÊS

Vozes de Dentro continua a acompanhar a luta das pessoas presas, das mães e das famílias de quem morreu nas prisões do estado. No dia 17 de Setembro, às 16h no Rossio, juntamo-nos à manifestação convocada pelas famílias de Daniel, Danijoy e Miguel.
Contra todas as prisões!
Não estamos todas, faltam as presas!
ENTRARAM VIVOS E SAÍRAM MORTOS!
QUEREMOS JUSTIÇA PARA DANIEL, DANIJOY, MIGUEL E TODAS AS VÍTIMAS DO ESTADO PORTUGUÊS
Um ano de luto, sem Justiça. As famílias de Daniel Rodrigues e Danijoy Pontes – que morreram no dia 15 de setembro de 2021, no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) – ainda hoje não têm respostas concretas sobre a causa de morte dos dois jovens. A estas, soma-se a família de Miguel Cesteiro, encontrado morto no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, a 10 de janeiro de 2022. Ao contrário do que diz a lei, perante estas três mortes, todas em circunstâncias suspeitas, a Polícia Judiciária não foi chamada ao local. Além disso, a demora no acesso aos corpos das vítimas e aos relatórios das autópsias por parte das famílias são sintomáticos da invisibilização produzida pelo estado que condena ao silêncio e ao esquecimento as violações nas cadeias portuguesas. Como é possível que a DGRSP se tenha apressado a arquivar tão rapidamente estes casos? Porque não respondem aos pedidos feitos pelos advogados? Onde estão os relatórios das autópsias de Daniel e Miguel?
 
De facto, as instituições de justiça portuguesas ignoram o sofrimento e a angústia das mães, filhos e filhas das vítimas do estado, parecendo não se preocupar com o facto de, em Portugal, o tempo médio de duração da pena de prisão ser o triplo da média europeia, e de, nas últimas décadas, Portugal ser dos países onde mais se morre nas prisões e o terceiro com maior taxa de suicídio. Acrescem ainda denúncias sistemáticas de situações de tratamento desumano e tortura nas prisões. Porque esteve Danijoy na solitária nos dias que antecederam a sua morte e porque continuam a existir estes espaços? Porque não puderam as mães visitar os seus filhos durante tanto tempo?
 
Tudo isto revela como a punição (das mais diversas formas), o castigo e a violência institucional orientam as práticas quotidianas nas prisões. A isto acrescenta-se uma tendência geral de controlo e repressão com base na sobremedicalização, aplicada com a cumplicidade dos profissionais de saúde que trabalham nas prisões, através da prescrição generalizada de um cocktail de fármacos perigosos para a vida das pessoas, como antipsicóticos, sedativos e metadona. Todas estas drogas foram reveladas nas autópsias de Danijoy e Daniel. Porque tomavam Daniel e Danijoy certos medicamentos mesmo que não sofressem de doenças que justificassem a sua prescrição?
 
Além do mais, o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade afirma que a pessoa reclusa mantém a titularidade dos direitos fundamentais, de acesso a cuidados de saúde em ambulatório e internamento hospitalar em condições idênticas às que são asseguradas em liberdade. Contudo, com base na experiência de grupos e coletivos de apoio, nos relatos de pessoas presas e das suas famílias e em relatórios de organismos internacionais, é evidente uma constante negligência e falta de acesso à prevenção, assistência médica e terapias. Mas o estado português segue indiferente ao apelo das famílias e da sociedade organizada por justiça e verdade. Porque morreram Daniel, Danijoy e Miguel e até quando continuarão a morrer pessoas sob tutela estatal?
 
Os relatórios internacionais confirmam que há perigo de vida nas prisões e que a política de segurança pública e justiça em Portugal produz terror, dor e morte contra pessoas negras, ciganas e pobres. Se assim não o fosse, como explicar a razão pela qual Portugal apresenta taxas de encarceramento bem acima da média? O mesmo em relação à taxa de encarceramento de mulheres e de pessoas estrangeiras, à percentagem de pessoas detidas enquanto aguardam julgamento ou à sobrelotação nas prisões? Exigimos respostas céleres!
 
A indiferença, o racismo institucional e a negligência estatal em relação às mortes de Daniel, Danijoy, Miguel e tantas outras, demonstra-nos que o estado impossibilita, dificulta e promove obstáculos à luta das famílias por Verdade e Justiça. Mas as mães e os familiares das vítimas do estado resistem! Seguem na luta!
 
Contra a indiferença, pela memória e por igualdade convocamos todes a estarem com estas famílias, dia 17 de setembro, às 16h30, no Rossio (Lisboa), numa manifestação para exigir justiça por Daniel, Danijoy, Miguel e todas as vítimas do sistema prisional.

 


Carta Coletiva de presas numa prisão feminina em Portugal

07-07-2022

Aos corações que se lembram que as prisões existem: vocês.

As reclusas que se não tentarem mudar o hoje, os amanhas serão sempre iguais a ontem.
As reclusas do E.P. vêm por este meio apelar a vossa atenção para a situação presente, que se vive neste estabelecimento prisional feminino.
Um atentado aos nossos mais elementares direitos, previstos na constituição portuguesa e nos direitos humanos internacionais. Cuidados de saúde. Consultas de clínica geral esperas de semanas pedidos incontáveis, com resposta zero.
Dentista, inúmeros casos de espera, acima dos três meses abcessos tratados com Ibuprofeno (quando há em stock) ou Paracetamol. Consultas de especialidade, com espera acima dos seis meses e em alguns casos, anos.
Reclusas devolvidas à liberdade sem nunca, terem sido diagnosticadas e tratadas.
A medicação prescrita, por vezes vem errada para os pavilhões (dezenas de vezes) e quando por nós é exigida a correção, ouvimos “tome se quiser”.
Nota: medicação de psiquiatra, o que agrava as consequências da toma indevida por outras reclusas, que por não terem formação médica, nem sabem os riscos inerentes a tamanha negligência,
As refeições são pobres de ingredientes a uma alimentação equilibrada, nomeadamente, durante semanas, meses, é sempre igual.
Legumes, praticamente não existem.
Arroz e massa alimentícia são fornecidas diariamente, também a batata. É um sonho, esporadicamente um vegetal, espreita no prato, pelo cantinho do nosso imaginário.
Carne e peixe, em quantidades equivalentes à refeição de uma criança em idade pré-escolar na maioria das vezes, refeições mal cozinhadas, cruas e isentas de tempero.
As refeições vegetarianas são surreais, grão, arroz, feijão e massa e repete-se o menu, na refeição seguinte, na semana seguinte e no mês seguinte.
Inúmeros casos de intolerâncias alimentares, tantos que o serviço de enfermagem, traz diariamente para os pavilhões, anti-histamínicos que são distribuídos voluntariamente, sem prescrição médica, a quem se queixa de erupções cutâneas ou distúrbios intestinais.
A sopa, primeiro alimento da tabela alimentar ou se reduz a uma solução aquosa, ou a uma massa com a consistência que normalmente se associa a um pudim.
Sem sabor e mais uma vez, ausência de legumes. Os reforços que nos são fornecidos às 19h horas, após o termino de jantar, são constituídos por pão, doce na maioria das vezes, esporadicamente um pão com queijo, ou manteiga e um dia por semana com fiambre, esse intragável, adulterado pelo calor, com cheiro nauseabundo e coloração esverdeada, pelo tempo entre a confeção e a entrega.
Os contactos com o exterior são caóticos. Duas cabinas de telefone por piso e duas no recreio para cerca 180 reclusas.
O ruído inerente à dimensão do espaço e quantidade de reclusas, é gigantesco o que como é óbvio é impossível isentar o ruído ou fazer-nos ouvir nos parcos 5 minutos diários, além do fator privacidade.
A correspondência é revista pelo corpo de guardas, envelopes e selos que nos enviam são apreendidos porque a cantina os vende. Surreal é a cantina vender envelopes brancos [correio verde], mas selos não. Um negócio implantado.
Na higienizarão das celas é-nos fornecido cinco litros de lixívia, diluídos em agua por cela com 4 mulheres cada. Quatro rolos de papel higiénico por mês. Existem reclusas que não têm qualquer apoio familiar a nível financeiro, e atividade laboral no E.P. é diminuta, e só uma percentagem muito baixa o consegue, o que torna a situação degradante para estas reclusas. Quatro pedaços minúsculos de sabão azul e branco, destinados a lavagem de roupa e para alguns até para a sua higiene pessoal.
A cantina do E.P. tem bens à venda, mas por rotina os produtos mais acessíveis, não chegam para todas as reclusas.
Bens esgotados durante meses (ex. aveia) não existe há meses, um alimento que utilizamos para suprimir a carência de outros.
As condições de habitabilidade são precárias, celas com esgotos entupidos, janelas partidas e outras inexistentes.
Cobertores na quantia de quatro em más condições, que durante os meses de inverno não aquecem do frio, pela falta de janelas com vidros.
E por fim o acesso aos serviços de educação, chefia e Diretoria do E.P.
É-nos fornecido um cartão P.T. onde por pressuposto deveriam ser inseridos os números de telefone de familiares: mas para tal é exigido um comprovativo enviado para um email do E.P., com o n° e o nome do utilizador.
Inúmeros emails são enviados, e por vezes esperamos meses até os números serem inseridos, privando-nos do contacto com a família.
Quando pedimos esclarecimento aos serviços de educação na maioria das vezes, nem resposta obtemos.
Existem reclusas que não sabem o nome da educadora/e que lhe foi atribuído, basicamente porque não a conhecem.
Só pudemos fazer um pedido por semana para os serviços pretendidos e assim se arrasta por meses a solução dos problemas de quem se encontra impotente para se fazer ouvir.
Regime de visitas e bens permitidos entrar no E.P.:
1 kg de bens alimentares por visita, mas o critério dos produtos não é igual para o corpo da guardas na portaria.
Existe uma tabela de bens permitidos, mas o critério é deixado ao grau de humor de quem fez a revista aos sacos. Produtos que entram numa visita, na próxima não podem entrar. Pura utopia a lista afixada.
Encomendas são permitidas se devidamente autorizadas, mas é recorrente, puro e simplesmente se evaporem dentro do E.P.
Transferências bancarias que levam meses a entrar na conta da reclusa, e outras que nunca entram. Erros básicos de valores inseridos na conta de outras reclusas, e jamais resolvidos. Cartas dirigidas ao Sr. comissario e Sra. Directora, sem resposta.
Correspondência para estâncias superiores violada e retida no E.P. etc. etc.
Todos os factos expostos são rigorosamente verdade sem exageros ou ficção.
Estamos privadas da liberdade à ordem dos tribunais competentes, a cumprir as penas que nos foram impostas, mas aqui a sensação é de um segundo julgamento e um duplo castigo, é unânime, questionar-mo-nos se a reinserção social de que tanto ouvimos falar em debates políticos e na comunicação social é uma mera fantochada, onde quem mexe as cordas do nosso futuro, manipula a seu belo prazer o nosso destino.
Sentimentos ambíguos contra um sistema que propõe o travão, a quem viveu à margem da lei, mas não cria condições para tal.
O estigma da prisão, está e vai connosco na revolta interior de não passarmos de meros números.

Atentamente

As reclusas do pavilhão x.


Cartas Insubmissas – Zine I das Vozes de Dentro

CARTAS INSUBMISSAS
editada pelo coletivo Vozes de Dentro

2022

“Não me sinto nem um pouco preparada para retornar para a vida lá fora, o psicológico totalmente despreparada, muito tempo vivendo dentro deste galinheiro onde não passamos de galinhas que somos alimentadas, dopadas e trancadas nos pardieiros novamente.”

Cartas escritas por mulheres presas, que dão voz a todas as pessoas que sofrem a tortura quotidiana da privação de liberdade.

5 euros

Se estiveres interessade em contribuir* para o coletivo adquirindo uma zine, enviamos via CTT e a versão web podes aceder aqui: https://cryptpad.fr/file/#/2/file/f4iTLCCzcpMJGSs8yR0F59TM/

contacta-nos: vozesdedentro@riseup.net

Também podes adquirir diretamente na Livraria das Insurgentes em Lisboa: @livrariainsurgente

*as contribuições angariadas são para apoio direto de presos/as.


Coleta de Livros

Coletamos livros para enviar a quem está dentro. Quem tiver livros para oferecer (não podem ser de capa dura), por favor, contactem-nos através de mensagem privada.

Sugerimos também, se quiseres, que deixes uma mensagem/dedicatória no livro que ofereceres para alguém que está dentro.

Muito obrigada!

“A redução do espaço vital traz consigo o domínio totalitário do tempo, que se prolonga e se torna pesado até ser medonho.”

Mezioud Ouldamer

Um livro para uma pessoa encarcerada é uma ferramenta fundamental para combater a tortura infligida por um sistema cujo objectivo é reduzir até às últimas a sua vontade de resistência e fantasia.

#naoestamostodxsfaltamxspresxs

vozesdedentro@riseup.net

@vozes de dentro