Carta de uma mulher presa em Portugal

Agosto, 2022

Assunto: Abuso de autoridade, homofobia e negligência no trabalho

Eu venho por este meio comunicar que no dia xx/xx/2022 às 17:33, pedi à chefe de turno para fazer uma ligação para minha mãe no Brasil junto à minha namorada no hall do 1° piso no telefone das escadas e ela permitiu, então tivemos de aguardar 2 reclusas que estavam à frente para ligar, e assim que chegou à nossa vez liguei para minha mãe e ela ao atender, logo já aparece a dona H. ao pé do telefone a gritar sem nenhum pingo de educação a mandar-nos para nosso piso impedindo-nos de fazer a ligação, sendo que a minha mãe apenas queria falar com a sua nora.

Fiquei enervada mas fui para a meu piso calada, mas também muito chateada, pois se eu não poderia fazer a ligação porquê que ela havia permitiu? Pura negligência de trabalho. E justamente na hora em que minha mãe atende o telefone, a dona H. percebe-se, e começa a dar shows, berros e a abusar da sua autoridade, pois ali não houve se quer um pingo de respeito e capacidade para exercer o seu cargo, e cá já há muitas reclusas farta dela. A minha família não tem nada a ver com o stress de trabalho de guarda, e ATENÇÃO reclusa sou eu, não minha mãe, que com toda a gritaria que ela fez acabou por deixar minha mãe preocupada e aflita sem saber o que se passava pois tive de desligar o telefone rapidamente.

Em seguida quando eu já estava no meu piso, a dona H. com uma atitude infantil e precária me mandou bocas  e à minha namorada e ela permaneceu calada para não haver conflitos, depois disse também que se ela era minha mulher que eu pegasse nas coisas dela e a levasse daqui, mas como? Se estamos detidas. Já estava muito enervada, fui para a minha cela e depois voltei para retornar a ligação para minha mãe, e estavam muitas guardas no gradão inclusivé o comissário a ouvir reclamações de outra reclusa, e assim aproveitei para expor e falar o que estava a sentir, que toda a situação que eu havia acabado de passar era abuso de autoridade e um familiar nosso não tem nada a ver, porém com toda a situação fiquei muito exaltada e com isso mandaram-me ao gabinete, junto a patrulha de guardas a me acompanhar, onde fecharam a porta, e em seguido o chefe P. empurra-me e pega-me pelo braço com muita força, e eu disse: Agora vais bater em mulher? Covarde, eu ainda não esquecei do ato de xenofobia que fizeste comigo no caminho da clínica, experimente tocar-me um dedo que lhe meto um processo, “Claro pois ele outro dia foi super machista, arrogante e xenófobo em uma conversa a caminho para a clínica onde ele corrigia a minha gramática Brasileira sendo que eu fiz ensino superior e a gramática Portuguesa é complemente diferente da nossa Brasileira, nota-se ao conjugar verbos, ou seja nenhuma e nem a outra errada, Portugal colonizou o Brasil, mas lá já havia índios a morar quando chegaram. Estou exausta de ser tratada até pela enfermeira que também já fiz queixa por ser xenófoba com nós Brasileiros, cá dentro há muitas injustiças, xenofobia, abuso de autoridade, negligência de trabalho e homofobia que é CRIME!

O comissário atento ao conflito que estava acontecer, levou-me para outra parte de escritório, onde foi muito educado, me ouviu, falou e me acalmou, pois nesse momento mostrou-se um homem humano, com total capacidade e experiência de trabalho cujo o cargo que tem, e acabou toda a confusão.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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