Abaixo Assinado De Mais De 50 Reclusas Do E.P. De Tires

Venho por meio desta carta comunicar as autoridades Brasileiras e a imprensa, que a situação do Estabelecimento prisional de Tires (Portugal) é deplorável para nós ‘Brasileiras’.

 

Primeiramente temos a questão de comunicação: o Ep dispõe de poucos meios para contato, uma vez que no pavilhão 1 que é onde estamos é dividido por 3 pisos. Cada piso é composto apenas por dois Telefones para cerca de 80 a 90 reclusas e só no primeiro piso são poucas menos de 30 (…)

Temos o intervalo de uma hora pela manhã e uma hora a tarde mas os pisos com mais pessoas se misturam e quase sempre fica trancado, nós temos 15 minutos diários para ligar mas com tantas reclusas e poucos Telefones por vezes se torna impossível sem falar na burocracia para adicionar o número ou carregar o “PT”. As pessoas que aqui vivem “portuguesas” também têm a mesma quantidade de tempo para chamadas porém sempre conseguem ligar várias vezes utilizando outos “PT’s” o que nos prejudica ainda mais em questão de contato com parentes e amigos. Nós temos o direito a visita mais por questões financeiras claro isso é quase completamente fora de questão, algumas até conseguem mas são casos raros, então nos dão oportunidade para chamada de vídeo que tem a duração de 20 minutos duas vezes por mês mais também por conta da burocrácia mal conseguimos fazer sequer uma chamada quanto mais as duas as desculpas são por falta de internet, email errado, ou simplesmente falta de uma guarda que saiba manusear o computador.

Temos as questões de encomendas que por sua vez vindas de longe demoramos a receber e se a mesma chegar a meio de um mês temos que esperar até que o outro se inicie para nos ser entregues.

Há guardas que nos entendem e tentam até nos ajudar, porém também existem aquelas que por muitas vezes nos humilham e nos tratam mesmo como inferiores pelo simples fato de sermos estrangeiras. Por muitas vezes quando alguma de nós passa mal a meio da noite, elas nem sequer se dão ao trabalho de abrir a cela para saber o que se passa, certo dia isso ocorreu, uma moça da cela ao lado da minha passou mal chegou a desmaiar, a guarda só levantou a portinhola dela e fez a seguinte pergunta ‘Ela estás a respirar’ depois virou as costas e foi embora sem mostrar nenhum sentimento, nós aqui é que cuidamos umas das outras como podemos.

Na questão alimentar por vezes a comida é servida como se fosse para porcos, fria, crua e por vezes parece estragada. A Dieta daqui baseia-se em peixe cru e batata crua. São raras as vezes que temos uma alimentação razoável.

Aqui quem não recebe ajuda da família tem direito a um kit de higiene, mas basta que receba um carregamento para que o mesmo seja cortado por meses, nossas famílias não têm condições financeiras para nos enviar carregamentos todos os meses, esse kit Básico deveria ser-nos fornecido pois as coisas aqui são super caras e até mesmo o que eram doações de instituições ou igrejas eram vendidas ao invés de doadas a quem precisa e muitas dessas doações eram foram cortadas para o Ep por reclamações das reclusas. Há também a situação de uma reclusa que suicidou-se por falta de atendimento e atenção por parte do Ep isso ocorreu no dia 1º de Janeiro 2023. No dia seguinte uma outra reclusa colocou fogo na cela e muitas de nós passamos mal porque ficamos presas por muito tempo inalando fumaça pois as guardas também com medo de inalarem fumaça não queriam abrir as portas, até hoje não vi aqui meios corretos para parar um início de incêndio ou para evacuar o prédio, não há explinters, não há extintores não há saída e se o fogo começa no andar de baixo o único que possui extintor e a saída, o resto de nós não temos para onde correr podemos não morrer queimadas mas sim asfixiadas enfim esta é a realidade do Estabelecimento Prisional de Tires (Portugal)

Assinada por 50 reclusas do Estabelecimento Prisional de Tires

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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