Cartas sobre a Negligência da Embaixada Brasileira

Tires, 25.07.2023

 

Meu nome é X reclusa nºX. Me encontro detida no estabelecimento prisional de tires desde o dia X. Venho através desta carta relatar a minha total revolta com a Embaixada brasileira que não move uma palha por nenhuma de nós que aqui se encontram. Ganham com a cabeça de cada brasileira que tem aqui dentro, e nem sequer fazem uma visita pra saber ao menos o estado de saúde em que cada uma se encontra.

Na verdade até fizeram depois das queixas que começamos a fazer, depois de vários abaixo assinados que começamos a mandar relatando a situação que nos encontramos aqui dentro. Mas também não resolveram nada. E ainda nos aconselharam a “parar com os nossos protestos” como se quisessem passar pano pra alguém e calar a nossa voz Somos reclusas mas entendemos de lei, entendemos de direitos. E o que não entendemos procuramos pesquisar, estudar, seja com advogados, ou até mesmo com os nossos familiares que estão lá fora correndo junto com cada uma de nós. Aqui nenhuma tem medo de represália ou de ameaça e nós vamos até ao fim na nossa luta batendo de frente com quem for. E tiver falhando em questão de direito nosso, também vai pra roda. Portugal com sistemas prisionais super lotados e todo(a)s em uma grande desumanização, uma precariedade em questão de alimentação, higiene básica, assistência médica. Não há produtos de limpeza nem para o próprio presídio. As mulheres da limpeza passam pano com água para o chão, nem uma lixívia para desinfetar o chão tem, tribunais e advogados de férias, guardas prisionais de greve, por falta de pessoal.

Aos guardas prisionais do E.P. Tires em greve. Temos apenas 5 minutos de ligação cada uma das reclusas portuguesas, todas sem julgamento, sem visita, sem médico, escola, curso, trabalho, etc. Tudo parado.

Nós brasileiras não temos visita e o único meio que temos de ver os nossos familiares é através da chamada de vídeo, pelo (webex) que sempre foi uma vez ao mês, porém tinhamos 40 minutos que foram reduzidos para vinte minutos e por super-lotação no E.P. algumas estão ficando sem o benefício, e pior na greve nem temos direito.

A lei de portugal não condiz com as leis da união europeia?

A pena de portugal para (correio) é como para a de um traficante cabecilha de 4 a 12 anos de prisão. Mas para quem não tem dinheiro, como nós, fica fácil nos segurar aqui, e colocar em trabalho escravo.

Sim! Trabalho escravo!

Pois pagam quanto querem, quando querem colocam as mulheres para trabalharem sobre pressão, e a todo o vapor. Os primeiros dois meses não recebem e ficam caladas pois precisam, para ao menos comprar um absorvente, produtos para limpar celas e um biscato, para não dormir com fome. Sim! Porque além de tudo ficam 3, 4 dias sem comer, por conta da lavagem que nos dão aqui.

Se já estamos expulsas porque o Brasil não se responsabiliza?

Porque portugal não nos mandou para o nosso país?

Porque o brasil não nos representa?

Temos tanto orgulho do nosso país, somo unidas aqui dentro, ajudamos umas as outras, e até os nossos familiares se uniram aí fora, e por um erro, o Brasil nos abandona? Não nos assiste?

Porquê? Cantamos o nosso hino brasileiro aqui com tanto orgulho, oramos juntas e temos a certeza de que deus está connosco nessa luta.

Os órgãos são feitos de pessoas, e assim como tem aqueles que se prontificam em nos ajudar, também tem aquelas pessoas que são contra nós. Pessoas compráveis que só olham para o próprio favorecimento. Aqui nós passamos um inferno que só deus e nós sabemos como é.

24 sobre 7 matamos um leão por dia.

Sofremos racismo, discriminação, xenofobia, falta de atendimento, omissão de socorro, humilhação por parte de guardas, má alimentação e ainda temos que cumprir uma pena como se fossemos cabecilha do tráfico em um país que não é o nosso.

Me encontro aqui há 1 ano e 6 meses.

A embaixada brasileira “NUNCA” veio fazer uma visita. Os outros orgãos que são representantes de outras reclusas estrangeiras, comparecem aqui, e dão toda assistência necessária. A embaixada brasileira não ajuda as reclusas, nem com um kit de higiene básica. Existe muitas reclusas brasileiras aqui que não tem carregamento porque muitas vezes a família não tem condições financeiras, sobrevivem de doações de outras reclusas, porque nem o próprio E.P. ajuda. A Embaixada brasileira é uma vergonha. Estão com a desculpa de que não a queixa das reclusas brasileiras, mas agora está aqui.

A comida desse EP é crua, fria encontramos coisa nos pratos, o atendimento médico e péssimo, não temos médico, enfermeiro que e obrigatório ter 24 horas, após 21 horas, já não tem mais, eu fui chamada para o clínico geral depois de um ano que já me encontrava aqui. Não a ginecologista, sofremos com omissão de socorro. Já vimos mulheres quase a morrerem dentro da cela e as guardas não fazerem nada. Nós como somos umas pelas outras começamos a gritar todas e a baterem nas portas pedindo ajuda,as guardas aparecem e ofendem a gente. Houve casos de reclusas serem agredidas por guardas do sexo masculino. A nossa família faz um esforço tremendo para mandar uma quantia para podermos sobreviver aqui dentro, e toda quinzena e dinheiro que some, e dinheiro que não sobe,elas não nos dão uma explicação de uma coisa que e nossa,e quando vamos atrás levamos com porta na cara,xingos, ofensas, e sabemos que e de propósito porque quando uma das reclusas envolve um familiar ou um advogado que coloca elas contra a parede, elas rapidamente resolvem a situação, são educadas, prestativas, chega fala fino.

Aqui somos tratadas como bicho, como um bando de animais. Queremos a nossa transferência,não queremos fugir as nossas responsabilidades, mas queremos respeito, sabemos dos nossos direitos e queremos ser ouvidos.

Vamos continuar com protestos,mandando cartas, áudios, abaixo assinados e o que mais for preciso e ninguém vai passar batido. Meu é Gabrielle venho de um bairro pobre do estado de São Paulo, no Brasil. Escrevo essa carta a próprio punho, sem medo e sem receio nenhum do que possa vir a acontecer comigo, estou aqui dando voz a muitas brasileiras que tem medo de ir contra o sistema de dizer o sofrimento e o descaso que Portugal. A embaixada brasileira alega que falta queixa de reclusas , mas aqui estamos nós juntas e fechadas nessa situação.

Então! Embaixada Brasileira, criem vergonha na cara de vocês, e parem de ficar arrumando desculpa para o serviço que vocês não faz!

Vocês só comparecem ao presídio por obrigação, quando sentem que o arco de vocês está fechando e quando comparecem falam com 2,3 mulheres que as guardas do EP Tires coloca para conversa com vocês, porque sabem que vão favorecer o EP, se apresentem aqui peça para falar comigo Gabrielle, que me encontro a mais de 01 ano e vocês nunca deram assistência nenhuma.

Parem de olhar só para o bolso de vocês, olhem por nós, para nós.

Parem de tentar calar a gente pelo fato de que se a bomba explodir a mordomia de vocês acaba. E queixa que vocês querem, é queixa que vocês vão ter!

Se apresentem e peça para falar com meninas que não trabalham, que estão no protesto e que dão nomes, com as reclusas que tem queixa contra EP Tires.

Somos seres humanos, temos família,temos estudo, aqui ninguém e animal ou indigente não!

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Tires 27.07.23

Escrevo esta missiva para dar a minha opinião.
Eu, com dupla nacionalidade venho com este meio indignar-me com o comportamento vergonhoso da Embaixada Brasileira. Eu sou Angolana e a minha embaixada de 15 em 15 dias desloca-se ao estabelecimento Prisional de tires com um kit de Higiene Feminino com Qualidade que serve para um mês composta por Champôs de 1 litro, 2 Gel de Banho, 2 Sabonete, 4 Pastas de Dente, 4 Escovas de dente, 4 Sabão, 2 Barras Grandes 2 Amaciadores e 4 cremes para o corpo e nos outros 15 dias é para conversarmos saber se está tudo Bem e se necessário fazer a nossa ligação com a família trazem também Roupa e Sapatos para quem necessita. temos tambḿ o nº de um ADVOGADO que podemos ligar a qualquer hora e ele apresenta-se logo para nos representar. Tenho muito orgulho de ser e de me sentir Angolana, da minha Bandeira Angolana. Sei que o Brasil também é um país jovem como Angola, mas tem dimensões Continentais e estamos a crescer como países e o vosso lema é “Ordem e Progresso”. Aonde é que ele está vejo as minhas camaradas Desamparadas Sem Apoio, Sem Rumo é aquela expressão “ser Brasileiro com muito Orgulho” aonde fica estão num país que não conhecem a forma de ser os hábitos são muito diferentes, a única coisa comum é a língua e mesmo assim não é tão igual assim…
Cada Real que cada Brasileiro desconta, que cada Brasileiro desconta com o seu suor do seu trabalho é para ser usado nessas situações de dar Apoio. E não andarem por aí de festas em festas a comer canapés, nas festas do croquete, no bom e no melhor a viajarem e a irem as compras nas melhores lojas. Se ao menos mostrassem trabalho e apoiassem as vossas conterrâneas… Penso que o tempo do franco já acabou. Sabendo vocês que só arriscam a vida de viajarem e traficarem serem apanhadas, deixarem filhos e família para trás por O Seu país não lhes dá trabalho, não lhes Segurança não lhes dá um futuro e é uma cambada de corruptos. Com o pulmão do mundo.
Peço imensa desculpa mas é o que me vai na Alma.
Pois a Ditadura já acabou para o ano vai se fazer 50 anos do 25 de Abril e parece que estamos no tempo da PIDE DGS. No tempo da Prisão do Cadava. Tiraram-nos a Liberdade mas não a dignidade nem a voz. Não temos condições. São condições SubHumanas no séc. XXI. A nossa alimentação é uma alimentação de 3º mundo. Espero que não caia no vazio o meu testemunho e que o Abate de um Árvore que esta folha provocou não seja em vão.
Os meus cumprimentos, Atenciosamente

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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