Liberdade – carta de companheira presa

Liberdade

Sou apenas uma mulher.

Uma mulher pequenina, dentro de uma prisão em Portugal.

Vejo as grades e não as compreendo.

Sei apenas que é noite porque vejo escurecer, vi que amanheceu porque as agentes prisionais abriram as portas.

Como poderia compreender-te Liberdade?

É muito difícil.

Passo a mão na minha cabeça que vai embranquecendo, o rosto denúncia esta experiência, a mão escreveu tanto, a boca gritou demasiado, os olhos lagrimejaram e calam-se ai Liberdade só suspiro, suspiro brando e angustiante só quem tá aqui sabe o que acontece.

Lembro algumas mulheres que me acompanhavam e hoje já não acompanha mais, pois não puderam ter a Liberdade a não ser a Liberdade eterna, pois a prisão lhes tirou o bem mais precioso a vida.

Meus passos urgentes ressoam no corredor ressoam em mim, pisada por todos, como sorrir, como pedir que sejamos felizes? Sou apenas uma mulher pequenina na prisão suplicando pela Liberdade…

De autoria de (…) Feito dentro da prisão!

Eu grito Liberdade dentro de mim porque sou mãe filha, mulher num mundo ainda machista cheio de ódio e preconceito.

Num mundo onde já nascemos doentes psicologicamente, da guerra, da fome da pobreza e da falta de oportunidade onde só os fortes sobrevivem. Eu sou (…) uma reclusa que nunca me calarei pelo horror que passo aqui na prisão.

Espero que meu grito cheguei um dia mesmo que aqui não esteja mais.

About Vozes de Dentro

Somos um grupo de pessoas presas, presos e pessoas que do outro lado dos muros acompanham e participam, de diferentes formas, nas lutas das pessoas reclusas e das suas famílias. As pessoas privadas de liberdade e especialmente as pobres, racializadas, mulheres, transgéneros e crianças enfrentam condições desumanas, violência física e psicológica nas prisões. As histórias destas pessoas são altamente invisibilizadas, e, por isso, expostas a constantes violações dos seus direitos fundamentais (1). Em particular, Portugal é dos países europeus onde mais morrem reclusa/os (2) e as prisões portuguesas têm sido por diversas vezes alvo de críticas do Conselho da Europa, nomeadamente do Comité Contra a Tortura. Conjuntamente, encontra-se entre os países da Europa onde se condena mais a penas de prisão, por períodos mais longos e onde a sobrelotação é uma realidade. Os índices de encarceramento são altos especialmente entre as mulheres, também condenadas a penas maiores, e não existem dados oficiais sobre o número de pessoas transgénero, bem como sobre a pertença étnico-racial (1, 3). Testemunhos de reclusas e reclusos e seus familiares indicam o frequente recurso a fármacos sedativos, anti psicóticos e anti convulsivos sem uma conexão clara com a necessidade clínica dos próprios fármacos, mas mais claramente em coerência com a atitude repressiva do sistema prisional (4). A maioria dos estabelecimentos prisionais caracterizam-se por graves problemas nas infraestruturas, péssima alimentação, falta de acesso a bens e produtos essenciais. Os cuidados de saúde são também precários e deficitários, com a maioria de profissionais de saúde subcontratada. A atividade laboral remunerada é parca e traduz-se, maioritariamente, na exploração e as ofertas formativas são poucas. Isto, aliado à baixa aplicação de medidas de flexibilização de penas, ao inexistente apoio para a reinserção social, ao isolamento social a que ficam sujeitas as pessoas presas com severas limitações de contato com as suas famílias e comunidades e os percursos prévios de institucionalização que muitas viveram previamente à prisão, configura os ciclos de pobreza-exclusão-institucionalização-violência (5). Na prisão as discriminações, violências e a exploração persistem e são exacerbadas remetendo-as para invisibilidade, abandono social e marginalização. O objetivo deste grupo é de visibilizar a realidade obscurecida das prisões e pensar coletivamente possíveis ações de apoio para quem está dentro. View all posts by Vozes de Dentro

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