Carta de mulher presa sobre saúde na prisão
Hoje vim falar sobre a falta de atendimento médico no E.P.
Carta de L. esposa de um dos presidiários mais antigos no EP de Monsanto
O meu marido é recluso do Estabelecimento Prisional de Monsanto, está aí desde 2016, chama-se P. seu número de recluso é o X, é estrangeiro. Na segunda-feira 02/01/23 era o dia em que ele ficou de me ligar, porque eles só têm 3 chamadas por semana de 10 minutos cada, para ligar para seus familiares, e no nosso caso eles só nos dão uma videochamada uma vez por mês durante 20 minutos porque moro a mais de 10.000 Kms de distância. Grande foi a minha surpresa e angústia que na segunda-feira e terça-feira ele não me ligou e conseguiu ligar na quarta dia 4 de janeiro e me disse que só tem “direito” a 3 ligações POR MÊS, até ao final do mês de janeiro, dizem eles que derivado à greve de guardas. Enviei uma correspondência que demorou 3 meses a chegar que me custou mais de 50€ para que pudesse chegar ao destino. Não estão a entregar e já foram avisados e disseram que é possível que até 31 de janeiro (onde supostamente terminará esta greve) não consigam receber correspondência. Meu marido não recebe visitas, sou a única pessoa com quem ele tem contato, peço que nos dêem o direito que nos corresponde de falar mais e também a nossa videochamada que eles nos dão este mês. Só peço o que a lei contempla, é um direito, dos poucos que têm e que é necessário para a sua reintegração e para a sua saúde psicológica e emocional, e para mantermos os laços afetivos.
Depois de 2 dias que meu marido não me ligou, depois de ligar para o guarda onde me disseram que estavam em greve, por isso o meu marido não me ligou. Depois de enviar um e-mail perguntando se eles poderiam pelo menos me dizer que meu marido está tudo bem, ELE ME LIGOU HOJE! A ligação foi agridoce, porque por um lado eu precisava ouvi-lo, por outro lado me diz que os guardas estarão em greve até o dia 31 DE JANEIRO e que TERÁ APENAS 3 LIGAÇÕES POR MÊS para as suas familias, eles não receberão ou enviarão correspondência. Meu marido NÃO RECEBE VISITAS, é estrangeiro, estou a 10.000 quilômetros de distância… e só têm “direito” a 3 chamadas POR MÊS! E não podem nem chamar nem os seus advogados… É justo? Já fiz as reclamações onde corresponde, mas é justo e necessário contar também aqui, a @todos .
Ontem liguei para o técnica de meu marido preso em Monsanto, um senhor me atendeu e passou para a educadora e ao fundo ouço ela falando: LIGOU DE NOVO, ela OUTRA VEZ!! (mas de um jeito ruim) e ela pega o telefone e me diz que se acontecer alguma coisa com meu marido eles vão me avisar, e aí eu disse a ela: SENHORA EU TE PERGUNTEI SE PODERIA LIGAR DIARIAMENTE PARA SABER COMO ELE ESTÁ, E ME DISSERAM QUE NÃO HAVERIA PROBLEMAS, e entenda que se eu não tiver notícias do meu marido por muitos dias eu me preocupo e vou ligar para saber sobre ele e ainda mais quando você me disse que eu posso ligar. E quando ela começou a falar comigo a comunicação foi cortada, pensei que era meu crédito porque a chamada me custou 1€, mas não, não sei se foi a cobertura ou se cortaram. Não liguei mais de volta porque só cobrava o suficiente para falar com eles. Não posso ser grosseira como eles em minha resposta, porque mais tarde tenho medo que tirem minha videochamada, ou restringir mais as ligações, só tem 3 ligações esse mês devido à maldita greve. Tudo isso é muito difícil para mim porque por não entender bem o idioma fico em desvantagem, mas tem coisas que eu entendo e sei quais são os meus direitos e se não quiserem trabalhar não é problema meu, liguei para perguntar por ele, se ela não quer fazer o trabalho dela ou teve um dia ruim, não é problema meu. Eu não vou começar a gritar com ela ou insultá-la também, porque sou educada, mas não entendem e não se importam, meu marido é muito importante para mim.
MONSANTO, um lugar que não se preocupa com os reclusos e menos com as famílias. Ontem meu marido deveria ter me ligado e não ligou, hoje esperei e ele também não ligou. Aí eu ligo e o bom é que o guarda que me atendeu foi muito gentil, pois eu não falo bem português por ser de X. E ele confirmou que eles ainda estão em greve. Eles pouco se importam em limitar mais do que já limitam. Eles já têm o suficiente para também aguentar não falar com seus parentes.
Sinto impotência e indignação com a situação que meu marido e seus companheiros do EP Monsanto estão passando. Esta absurda greve de guardas, onde só são permitidas 3 chamadas por mês, não há entrega nem receção de encomendas, onde um advogado é rejeitado à entrada para atender o seu cliente, onde o profissional tem de pedir alvará, quase implorar para ver o seu cliente que tem documentos urgentes e importantes para entregar, um advogado que vai de XX por exemplo, a 60km do estabelecimento. Uma greve incoerente, onde os guardas fazem as atividades habituais (punir, oprimir, levar os reclusos aos telefones e ao pátio), mas não entregam a correspondência dos familiares, nem dos advogados, não recebem os pedidos para exames médicos (vários reclusos pediram cuidados médicos), e os abandonam à sua sorte, é um atentado à saúde física e mental, contra a higiene, não os levam ao cabeleireiro há 3 meses.
Não vou esperar uma desgraça sentada… Eu vou lutar. O meu marido já tem 60 anos, não está mais aí para as brincadeiras e caprichos dos guardas que brincam com saúde e paciência de todos. Eu me preocupo muito, tive ataques de ansiedade, às vezes o ouço confuso, sem querer, ou tenho medo de que suas faculdades mentais sejam afetadas, só temos ligações de 10 minutos e às vezes ele repete coisas que já me disse em outra ligação ou muda algumas coisas… isso me deixa muito mal.
Agora tomo muito cuidado ao dizer e fazer as coisas porque nos deram uma videochamada (que conta como visita) mas só de 20 minutos e no final de janeiro tem a sua aprovação e tenho medo que retaliem e cortem tudo.
Eu realmente não sei porque isso só acontece em Monsanto, se são a mesma união de guardas, eu acho. Já fomos a todos os níveis possíveis, mas não há resposta, não há empatia, só peço que Deus na sua misericórdia lhes dê sempre o triplo de tudo o que fizerem (eles vão ver se são coisas boas ou más). Mas chega de brincar com as famílias! chega de humilhação! Isso vai contra todas as leis de direitos humanos!!! NÃO SEI EM QUE MÃOS ESTÁ DELEGADO CORRIGIR A SITUAÇÃO DOS GUARDAS, SÓ SEI QUE NÓS, AS FAMÍLIAS, NEM OS PRESOS NÃO TEMOS CULPA!
Força a @todos (Por favor compartilhe)
Relato sobre o suicídio de Patrícia Ribeiro na prisão de Tires
Vou falar sobre o suicídio da Patrícia Ribeiro, pois tudo o que passam, na TV, é mentira.!
Eu convivi 1 ano e 11 meses com a Patrícia, e eu não julgo ninguém pelo crime. Ela sempre foi uma boa amiga, que ajudava os outros, que ouvia, que aconselhava.
E foi mais um choque aqui. Não sei se sabes, mas eu e a S. éramos muito amigas dela, principalmente a S. pois depois da morte da Maria, a Patrícia apoiou muito a S.. Ela era do pavilhão d, cela 800 (junto com a N. e a P.), e eu era da cela 801, antes de vir para o pavilhão c. E ela nunca foi da cela da Maria Malveira, que nem passou no Linha Aberta. Ela e a O. tentaram reanimar a Maria juntas.
A Patrícia trabalhava na faxina e pediu várias vezes para sair do trabalho e não permitiram, pelo contrário, gritavam com ela e ela tinha que trabalhar drunfada, pois a enchiam de medicação. Ela tentou suicidar-se várias vezes, e como não deixavam mais ela ficar sozinha na cela, ela “aproveitou” o horário do trabalho, foi até ao 1ºpiso, onde ela limpava, foi na sala de fumo e enforcou-se. Na hora que ela viu que estava morrendo, ela arranhou todo o pescoço, pois tentou tirar o lençol do pescoço, mas já era tarde demais. E aqui no pavilhão c, eu, a T. e a S. nos abraçámos e chorámos muito. E a S. pediu para prometermos que nunca nos mataríamos, e prometemos. E eu pedi para a S. também prometer, e ela disse que não sabe se vai aguentar. É complicado. É uma tortura psicológica, emocional. Estamos cansadas mentalmente. Aqui ficamos muito tempo fechadas, mas na cadeia dos homens não é assim! E porquê? Porque Portugal é um país machista, que inferioriza as mulheres, em todo os aspetos. Não aguentamos mais!
Hoje publicamos uma carta escrita por companheiras que se encontram na prisão de Tires. Mulheres que, diante de tamanha injustiça, demonstram com um ato de resistência que as pessoas que morreram eram mulheres jovens e acarinhadas. Boas companheiras, amigas, altruístas, solidárias e prontas para ajudar quem precisa. Mulheres amadas!
A maioria das mortes nas prisões são relegadas ao silêncio mórbido do sistema prisional, especialmente as que ocorrem nas prisões femininas. Quando vêm a público são alvo de especulação mediática, de péssima qualidade, por parte de jornais e televisões, tal como sucedeu com as recentes mortes de Maria Malveiro dia 29 de Dezembro de 2021 e Patrícia Ribeiro dia 1 de Janeiro de 2023, na prisão de Tires.
Sejam suicídios reais, ou não, as mortes destas mulheres são embaladas e vendidas a um último linchamento público, sempre da mesma maneira. A mulher é identificada com o crime que cometeu, no máximo, acrescentam a profissão que exercia antes de ser privada da liberdade.
Não são mencionadas as dificuldades vividas pelas pessoas, os problemas de saúde, física e mental, nem as péssimas condições das prisões, que muito aumentam o risco de morte das pessoas presas.
Sabemos que as companheiras de prisão das mulheres que morreram, expressaram de várias formas a sua revolta, nos fatídicos dias em que ocorreram as mortes das suas amigas e companheiras.
Acompanhamos estas mulheres fortes, desde fora das grades, sabendo que uma vez que saíam em liberdade muito terão a nos ensinar sobre solidariedade e resistência!
Relato da prisão durante a greve de guardas
Olá, X,
Escrevi esse relato pois não aguento mais, não estou bem, a revolta tomou conta de mim.
A situação aqui no E.P. está CAÓTICA.
Está acontecendo um abuso de poder por parte das guardas prisionais, devido à greve que se iniciou 17/10/2022. Segundo o artigo 57° da constituição da república portuguesa, a greve é um direito constitucionalmente consagrado, competindo aos trabalhadores a definição do âmbito da greve. Por outro lado, aquando do pré-aviso de greve são definidos os serviços mínimos que serão assegurados.
Aqui se iniciou uma greve parcial dia 17/10/2022 e que foi simultânea com a greve total dos E.P. de todo o país. Porém, a última greve total acabou em 22/12/2022, mas as guardas continuam com a greve, sem ter sido informado para nós previamente. Não há nada afixado. Soubemos da greve, que vai durar até dia 31/01/2022, pelo jornal da TV.
No fim de semana de 24 e 25/12, muitos visitantes foram impedidos de visitar seus familiares, pois a chefia das guardas na portaria do E.P. informou aos visitantes que a reclusa que teve visita durante a semana não poderia ter ao fim de semana, e as famílias e as reclusas choraram muito. Foi um natal horrível, pois nos sentimos sendo tratadas como lixo, pois até os gatos do E.P. são tratados melhor do que nós. Nós cometemos um crime, mas continuamos sendo pessoas, temos nossos direitos, sentimentos e emoções. O que está acontecendo aqui é desumano, inconstitucional e abuso de poder.
Além disso, as reclusas (principalmente estrangeiras) não estão fazendo a vídeo conferencia (Webex) por causa da suposta greve.
Hoje, fui a psicóloga, e ela se despediu de mim, pois não irá mais trabalhar aqui. Ela é a psiquiatra também. Ela me disse que não sabe quando vão substituir. Estamos sem ginecologista há meses, sem clínico geral, dentista, sem nada. As educadoras sumiram, não há resposta de pedidos, ninguém nos informa nada. Fomos “pegas de surpresa”.
Segundo o código de execução de penas e medidas privativas da liberdade, cap. II, artigo 7, temos os direitos previstos por lei, mas “supostamente”, pois na prática só temos deveres.
Hoje, uma reclusa tentou se matar se jogando do segundo piso, mas a seguraram, e porquê? Porque isso aqui é uma tortura psicológica, e as reclusas não aguentam mais. E falo também por mim, quantas vezes já me passou pela cabeça juntar várias medicações para morrer de overdose? É FUDIDO!
E as reclusas tem medo de falar, pois depois podemos ser prejudicadas nas precárias e condicionais. Ou seja, o sistema nos prende aqui.
Tem guardas que usam drogas, a ponto de já terem chegado com o nariz branco, as reclusas avisarem e a guarda limpar. Como assim? Elas não têm que fazer testes periodicamente?
É tanta coisa que eu já vi nesse E.P., que só de pensar dá vontade de gritar, berrar, etc…
Não aguentamos mais. Eu não aguento mais. Precisamos de ajuda! Precisamos de alguém que nos ouça e faça algo por nós.
A Prisão é Tortura!
Como já denunciámos nas nossas redes, os guardas prisionais fazem, há mais de uma década, greve nesta altura do ano. Um período que todos sabemos ser sensível, porque a nossa cultura o torna festivo, mas torna-se dissonante para aqueles que estão sozinhos, deslocados ou deprimidos. A greve dos guardas prisionais torna a situação das pessoas reclusas ainda mais isolante e dramática. Como é possível ter prisões a funcionar em serviços mínimos, quando isso significa violações ainda mais graves aos direitos humanos das pessoas presas e das suas famílias, já comuns nas prisões?
É demonstrativo da desumanidade, abandono, violência, tortura e isolamento que o estado e os profissionais exercem sobre as pessoas presas. Dizem que prendem para reinserir, mas na verdade, quem é presa é vítima de uma série de violações de direitos, por parte do estado, que se estendem às famílias e crianças filhas das pessoas presas.
As greves começaram durante o mês de Novembro e vão estender-se, como já é habitual, até Janeiro. Estas são algumas das consequências:
– fechamento nas celas por períodos maiores, podendo chegar às 22h;
– suspensão de atividades laborais, educativas, culturais e religiosas (para quem tem acesso, nas prisões onde as há);
– suspensão total ou parcial das visitas;
– suspensão total ou parcial da recepção de encomendas e da recepção e envio de correspondência, em alguns casos pode ser gravíssimo sendo que há presos que necessitam de tomar medicação específica e que são as famílias quem tem de comprar e providenciar;
– não acesso ou acesso muito limitado à cantina para a compra de produtos essenciais (escassos e de baixa qualidade, sobretudo os alimentares, e com preços mais altos que no exterior);
– maior limitação de acesso ao uso das cabines telefónicas;
– ainda maior demora no atendimento das técnicas reeducadoras fundamentais para os diversos procedimentos: pedidos de precária, de visitas, flexibilização de penas, etc;
– limitações no transporte para audiências, idas ao hospital, etc;
– cancelamento de transferências entre EPs: presos que há meses esperam a transferência para perto das suas famílias e crianças, que agora são impedidos de transitar;
– maior negligência médica, ao mesmo tempo que se agravam as condições de vida desumanas nas prisões com graves efeitos na saúde física e psicológica das pessoas presas;
– há EPs onde estão a desligar a luz e a televisão ao fim do dia; outro onde as cabines ficaram sem funcionar durante dois dias;
– pessoas presas com crianças, familiares doentes, entre outras situações, ficam ainda mais deseperadas ao ficarem sem possibilidade de contacto;
– o dinheiro que familiares e amigos depositam nas contas das pessoas presas e que são essenciais para a sua sobrevivência na prisão ficam retidos. Não esquecendo que com greve ou sem greve isto acontece com regularidade e em muitos casos o dinheiro nunca chega, ficando nas mãos das direções das prisões;
POR TUDO ISTO NO DIA 31 DE DEZEMBRO ÀS 17H, JUNTAMO-NOS À FRENTE DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE LISBOA e ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE COIMBRA. PARA DIZERMOS ÀS PESSOAS DENTRO DOS MUROS QUE NÃO ESTÃO SOZINHAS, QUE LUTAMOS COM ELAS, QUE COMEMORAMOS COM ELAS!
Pela Abolição das Fronteiras! Pela Abolição das Prisões!
Pela abolição das fronteiras!
Pela abolição de todas as prisões!
O sistema carcerário ergue sucessivos muros através do uso da força e da violência.
As fronteiras sãos os muros que estados erguem através de leis, polícias, prisões e da manipulação perversa da guerra social.
Com papéis ou sem papéis os mecanismos de controlo e de castigo do estado sobre pessoas de nacionalidade estrangeira são mais violentos e exacerbados, o que é demonstrado nos maiores índices de violência e discriminação por parte da polícia, de agentes de segurança das fronteiras, de instituições judiciais e carcerárias, bem como as diversas instituições públicas que reproduzem o racismo estrutural.
Quem vive sem papéis vive numa grande prisão a céu aberto. Vive a insegurança, o medo e a ameaça constantes de ser detida, encarcerada, deportada e um alvo da violência arbitrária das forças de segurança do estado e dos atores privados que colaboram com elas lucrando com a violência do regime das fronteiras. A negação à livre circulação, ao acesso a cuidados de saúde, à habitação e à educação, a exploração laboral, o ostracismo e discriminação social por parte de instituições e da sociedade, é a realidade que milhares de imigrantes vivem no país.
Em Portugal as pessoas de nacionalidade estrangeira podem ser presas em “Centros de Instalação Temporária” apenas por não terem “papéis”. Estes centros são prisões onde pessoas são encarceradas, enquanto aguardam a expulsão do país por lhes ter sido negada a entrada e permanência, ou enquanto aguardam por resposta a pedido de asilo político. Estas prisões são a expressão da desumanização e violência gerada pelas políticas de migração e fronteiras, parte do jogo imperial de dividir para reinar dos estados. As condições de encarceramento nestas prisões podem ser piores com ainda mais graves restrições de acesso a cuidados de saúde, à circulação, a atividades, a contacto com o exterior, a advogados; e múltiplas violências que podem culminar na morte, como aconteceu a Ihor Homenyuk, assassinado por agentes do SEF. As crianças das pessoas presas nestas prisões são também com elas encarceradas sem quaisquer condições. Pessoas com graves problemas de saúde, mulheres grávidas e sobreviventes de violência(s) (armada, sexual e de género, entre outras graves violências) são todas sujeitas a esta prisão.
Nas últimas décadas (a partir dos anos 80) a taxa de encarceramento de pessoas de nacionalidade estrangeira é desproporcionalmente superior em relação ao número de nacionais. Mesmo quando o índice de crimes é muito superior entre nacionais. As taxas de encarceramento de mulheres de nacionalidade estrangeira são ainda mais altas. Nas prisões mais de metade das pessoas de nacionalidade estrangeira, são de países anteriormente colonizados e expropriados pelo estado português, o que denuncia a perpetuação do heteropatriarcado colonial, racista e xenófobo pelo estado e as instituições públicas.
O maior punitivismo que recai sobre as pessoas sem acesso aos “direitos de cidadania” criminalizadas espelha-se: na prisão preventiva (mesmo que seja residente há muito tempo); nas penas mais altas, nas penas acessórias de expulsão para não residentes, e ainda para residentes (para determinados crimes), no não acesso a saídas precárias e à flexibilização das penas. Para quem não seja residente ou não tenha regularizada a autorização de permanência no país: no não acesso a formações profissionais, educativas e ao ensino superior (apenas a curso de português para estrangeiros, nas prisões onde existe). Mas curiosamente podem trabalhar na prisão (quando há trabalho) com ou sem papéis. O que se deve à ausência de direitos laborais e regulação que caracteriza o trabalho prisional.
As pessoas que têm as famílias, filhos/as e amigos distantes sofrem maior isolamento, sem apoio afetivo, sem apoio ou recursos económicos para contactar as famílias, e para sobreviver ao sequestro estatal.
Para as presas que residem no país correm o risco de perder a autorização de residência pela ausência de apoio institucional por parte da direção da prisão, do SEF, das embaixadas, para a regularização a que têm direito. Os tempos de espera para quem está presa são intermináveis. A espera coloca as pessoas sob ameaça de pena acessória de expulsão, da perda da tutela de filhos/as ou da regularização dos seus documentos… Entre outras violências e agressões xenófobas e racistas, insultos, provocações que muitas vezes levam à tortura e aos castigos de isolamento.
E este cenário se estende por toda e Europa! Um continente que outrora invadiu e pilhou territórios actualmente se coloca como um exemplo de civilização e direitos, enquanto fecha suas portas para as pessoas de países que tanto explorou e ainda explora. A Europa fortaleza, antes colonizadora, gastou somente este ano 754 milhões para guardar suas fronteiras, impedindo a chegada de quem arrisca tudo para aqui chegar e encarcerando aqueles que o conseguem fazer, com o simples argumento de serem quem são e virem de onde vêm.
Por tudo isto, no dia 16, juntamo-nos à manifestação contra a violência do SEF no Largo do Camões, às 18H.
Contra a Violência Policial
CONTRA A VIOLÊNCIA
ao constatar a violência policial que pessoas sofrem de forma quotidiana, perguntamos: para que serve, afinal, a polícia? talvez a melhor pergunta seja, a quem serve a policia? ou porque é que a polícia é violenta para com a população que, nos dizem, deveria proteger?
historicamente, as forças de segurança foram criadas para garantir o monopólio da violência por parte do estado. sim! elas foram criadas; não são um dado natural. lá pelo século XVII, não há tanto tempo assim. a polícia serviu para “apaziguar” as massas populares; para dissuadir os rebeldes; para instaurar uma ordem. e porque é que os rebeldes, se rebelam?
é claro, entretanto ganharam outras funções e até nos fazem acreditar que são quem defende as mulheres da violência doméstica, mas lembramos! morreram 22 só este ano. onde estava a polícia? a prioridade da polícia sempre foi e será a proteção da propriedade privada, que acaba a ser mais valiosa que a própria vida!
também será pertinente perguntar, onde começa a violência?
a violência começa na preservação de uma paz que não nos serve. não nos serve essa paz porque a violência está latente no índice de desigualdade. Portugal é o quinto país mais desigual da Europa. a violência está na desigualdade de oportunidades e perpetua-se na divisão do trabalho. a violência existe na segregação dos espaços. porque não há direito à cidade! porque é que determinado tipo de corpos e vivências estão circunscritos a determinado tipo de espaços e funções? a violência existe na indiferença dos que testemunham, dos que sabem, dos que calam! a violência está na invisibilização, onde o sistema prisional incorpora o expoente máximo, erguendo altas paredes e negando às reclusas a sua humanidade quotidiana. a violência existe na sua forma mais brutal nos corpos periféricos, em corpos negros!
não há qualquer razão que possa justificar o espancamento do nosso companheiro. não há nada, mas nada! que ele possa ter feito, que justifique o exercício da violência sobre o seu corpo. dizem que o estado nos protege. pergunto mais uma vez, protege a quem? serve a quem? no mesmo dia da sua agressão, é divulgada uma investigação que denuncia a presença da extrema-direita, de opiniões racistas e xenófobas dentro das forças policiais portuguesas. quem nos vai defender da policia? pergunto. quem protegeu os seis jovens negros, residentes da Cova da Moura, das agressões e sequestro dos polícias da Esquadra de Alfragide em 2015? quem defendeu Cláudia Simões em 2020, espancada e esmagada por não ter o passe da sua filha? quem salvou Ihor Homenyuk do seu assassinato cometido pelo SEF? quem defendeu os imigrantes de Odemira da perseguição e tortura da GNR em 2021? quem salvou Daniel Rodrigues, Danijoy Pontes, mortos em 2021, e Miguel Cesteiro em 2022? os três mortos dentro da prisão! nas mãos do estado! Em cinco anos, 303 foi o número de mortes nas prisões portuguesas. a polícia judiciária só investigou 6! seis de 303!
Foi em 2018 que o Comité Europeu para a Prevenção da Tortura identificou as condições degradantes e a discriminação racial presente no sistema prisional português. Quais foram as medidas tomadas pelo estado para resolver esta situação? E o que vai fazer agora o estado, com a informação – agora formal, porque nós já sabíamos! – sobre a presença da extrema-direita na policia?
sabemos o que acontece nas ruas e nas prisões do estado! estamos juntas com as pessoas agredidas! não vamos esquecer, nem perdoar!
Contra a Tortura Policial
Um jovem brasileiro de 18 anos estava no dia 17 de novembro de manhã, às 9h30, no Martim Moniz. Esperava uma entrevista de emprego quando foi abordado por polícias não identificados, tendo sido brutalmente espancado e sem qualquer motivo criminal detido e levado para a esquadra de Moscavide. O jovem em seguida foi levado ao hospital e novamente encarcerado na esquadra.
Mais uma pessoa negra, cigana, migrante, ou pobre agredida por polícias.
Espancada e insultada como muitas nas ruas, nas esquadras, nas prisões do estado português.
Mesmo sem perturbar a chamada ordem pública, nós, nossxs amigues, companheires, filhas, filhos, podem ser sistematicamente abordadas por polícias não identificados, brutalmente espancadas e detidas de forma arbitrária.
Outro espancamento e outra detenção que é apenas um exercício de poder, violento, racista, xenófobo, patriarcal e, se queremos usar as palavras do “sistema de justiça”: ilegal.
Praticado com a conivência do Estado e das demais instituições.
Mais uma mãe migrante, negra, cigana ou pobre, enganada e a quem é recusada informação sobre o estado do seu filho detido e obrigada a procurá-lo durante horas entre esquadras e hospitais.
Mais uma mãe que encontra o seu filho com a cara pisada, olhos esmurrados, peito com escoriações e quase sem conseguir andar devido aos espancamentos que lhe infligiram nas pernas e no corpo todo.
E finalmente, médicos coniventes com a tortura aplicada pela polícia, que não escrevem um relatório digno, nem explicam à mãe em que condição se encontra o seu filho espancado e novamente detido.
Tudo isto sucede no mesmo dia em que é divulgada mais uma investigação que denuncia a infiltração da extrema-direita dentro das forças policiais portuguesas.